FELIZ ANO NOVO!


Que tudo se realize...

que alguma luz se faça,
que o amor finalmente cante sua canção,
que os amantes vejam o mar e o céu nos próprios olhos,
que as mesas sejam fartas,
que as crianças sejam amadas,
que os tristes sorriam,
que a paz comece a andar pelos caminhos do mundo,
que haja balões coloridos e borboletas,
que as flores possam continuar a enfeitar a vida,
que seja possível alguma felicidade, enfim,
para todos os cansados da solidão...

no ano que vai nascer.


Saramar

PALAVRAS


Com a alma,
os olhos no mundo
e um tanto de alegria ou dor
escrevo palavras sobre o amor.
E sobra, aqui e ali, o erro,
na palavra, no amor mesmo,
um jeito de me enganar
nas pautas do papel
ou na boca que beijo.
Só sei errar.
Saramar

VEM, MENINO JESUS


Os sinos anunciam o natal.
Tantos sinos, um barulho bonito até.
Um barulho, o ruído tão alto de alegria.
A boa nova, o bom da vida,
o bem.

Os sinos, porém, não escondem,
com sua música,
toda a dor do mundo e dos homens
nem a voz de quem lamenta, em pranto,
sua fome de amor e justiça.

Os sinos choram plangendo em gemidos
a cegueira dos sacerdotes e a frieza dos
marmóreos templos, onde a humanidade perdida
se entrega ao culto de Pantagruel,
insensível e farta.

Ah! Menino-Deus, se pudesse abrir as portas
da vida e mostrá-la aos homens.
A vida e sua beleza...
Se vier, Menino, para todas as festas,
não encontrará, entretanto, porta aberta,
senão no coração das crianças e dos tristes.

Mas, venha mesmo assim
e ilumine todos para que enfim vejam
que o amor é o caminho, o meio e o fim.
Saramar

Os tristes meninos


Todos os meninos tristes poderiam se encontrar
em algum lugar e falar do que seria
se nenhum muro houvesse
ou se fossem longas as pernas.
Todos os meninos tristes poderiam se encontrar
e olhar longamente nos olhos,
improvisando uma dança em suas mãos.
uma dança de enlaçar.
Se todos os tristes olhassem longe,
são tantos, guardados em celas,
em gavetas, em trevas, em frestas.
São frágeis e perdidos, os meninos tristes.

Saramar

JÁ VEM O NATAL...


O natal vem bem ali
e vastas arrumações já se fazem
em flores, em árvores, em planos e pratos.
em verdes, dourados, vermelhos
em uvas e vinhos.
O natal bem ali
e o homem se apressa revirando gavetas
em busca de algo
que não se lembra bem o que será,
mas é importante lembrar.
O natal cada dia mais aqui
e as toalhas engomadas da ceia
o lustre rebrilha
e uma alegria burocrática
já anda no ar.
O natal, o natal
eis que chega, Deus!
e há listas a comprar.
Deus?
Deus?!!
ai, meu Deus,
era isso o que ele buscava,
é aquela frase do menino
que está no presépio.
“Amai-vos uns aos outros...”
É isso!
Para pregar na porta,
enfeitada com laços.
O natal aqui.
ai, que cansaço!
Saramar

NASCEU O MENINO


Nasceu o Menino.
Tão pequenino, já carrega nos ombros,
o peso das dores do mundo.
Já leva no peito a dor dos solitários
a a fome dos famintos.
Nasceu o Menino.
Tão inocente, já sabe do sofrer,
já enxerga o egoísmo nos olhos
fechadas para os outros meninos.
Nasceu o Menino.
Tão abençoado, já traz consigo
o presente mais infinito,
o amor pelos outros pequeninos,
pelos grandes, pelos bons.
Mas seus olhos benditos
buscam os maus, os tristes e os descrentes
para a eles ensinar a mais bela lição:
de como abrir o coração e amar.


Saramar

POESIA E INTERNET - BLOGAGEM COLETIVA


Uma pausa na poesia para falar de... poesia e internet.

É uma espécie de aquecimento para a discussão que se realizará na
22.ª Feira do Livro de Florianópolis, como se vê na imagem. Quem convida é o poeta Ricardo Rayol, com tema proposto por outro poeta, Rodrigo Capella.

À pergunta proposta, creio que a resposta única é sim e por dois motivos.

O primeiro é que, por meio da internet, temos acesso a um universo de poemas de autores já conhecidos e consagrados em todas as línguas, de todos os estilos e linguagens. Considero importantíssima essa difusão. Sem contar as traduções, as análises, os ensaios sobre poesia, os estudos sobre os poetas e suas criações.

Em segundo lugar, não há como negar que a internet foi como um big bang para os poetas, os aspirantes a poetas (ai, ai), os famosos e os anônimos. Na rede, há nebulosas (e buracos negros, também) formadas de versos. Poetas que jamais seriam lidos, devassaram gavetas e ei-los aqui, em brilho de estrela, ou na breve lembrança de luz dos cometas.

Em ambos os casos, observo que a visibilidade provocada pela internet incentivou a publicação de livros de poesia aos montes. Pequenos, enormes, ricos, pobres, artesanais, maravilhosos todos, porque livro sempre é maravilhoso.

Ter um livro de poesias nas mãos é contemplar estrelas e com elas conversar, como Bilac. A internet, ao abrir imensuráveis espaços para os poetas anônimos, abriu também a caixa de sonhos que é publicar um livro (até eu...).

Por isso, Ricardo, Rodrigo, falem por mim, que não poderei estar lá. Falem que internet e poesia são duas damas incontroláveis e impudicas que foram feitas uma para a outra.

PRISÃO

canto, eu canto.
pássaro preso
em tua ausência.
e me rasgo
(o peito).
eu sofro.
sufoca-me a ânsia
e me sobra o pranto.
Saramar

Imagem: Laura Lipton

ENREDO



umas letras espalhadas
e cantigas que um dia,
um poeta me deu, dizendo
linda semente encontrei
de poemas.
uma saudade perdida
de tanto lembrar a antiga
mania de ser feliz
(que eu tinha).
uns fragmentos, fitas azuis
num canto amarelo,
no febril desejo
de refazer o dia
em que te conheci.
mero palpitar
de passarinho preso
em enredo de amor
malogrado, porém belo.
Saramar

E TUDO FOI INÚTIL


Fui desafiada por Rose para me ligar à ENCRUZILHADA:
compor um post em prosa/conto ou poesia com o título dos últimos 10 posts,
não necessariamente na mesma ordem de publicação,
usando outras palavras para dar sentido ao todo.
Gostei deste desafio e convido todos os meus amigos
para participarem desse delicado exercício poético.
Os títulos dos meus dez últimos poemas estão em negrito.



Antes, perdida na selva das horas,
girava pela vida, juntando dias,
carregando o tempo como cruz,
como cruz...

Depois, o amor em assalto de marés,
em vagas, em ventos
e seu canto de sereia,
levou o tempo, deixando
seus salgados signos, como luz,
como luz...

Foi breve sonho, passou.
como tudo e sempre, o amor
se desfez em miragem, morreu.
Dele ficou minha vida marcada,
nau do leme desgovernado
pela tempestade que meu coração abriga,
depois do adeus, da morte do amor.

Tanto lutei contra as pedras e o não,
agora, espero somente
o fim das vagas de lembranças
em que soçobro.
Peço aos deuses, levem meus tormentos,
que mais não seja a dor.
Saramar

ANTES


nem sempre fui triste

antes de você,
eu sabia sorrir
era proa de barco, era dona do mar.

antes de você,
eu era a estrela do meu encenar.

hoje sentada na última fila
falo de mim para mim
e mal ouço meu murmurar.

Saramar


Imagem: Da Vinci

PERDIDA


E nem isso sei,
se passamos,
se passei
das suas mãos para o não
nem isso sei.
um vão e o copo que tomo
vazio
e o trago desfeito
não era um beijo?
nem isso sei.
as fontes várias do som
que exalava das veias
e o vinho?
nem isso sei.
não sei
de rasgos,
de farpas na boca
e seiva e fatos
e uivos.
a paga do tempo
ido, lento
o que sei?
espinho recolhido
que nem mais fere
a pele,
as pernas
minhas pernas onde vão?
e eu sei?
trajeto da alma
que andava em pautas.
acontecia de amanhecer
e quem via?
nem isso sei
nívea ao sol
e sua, toda sua
e agora?
não sei
a lua,
o tempo de se esconder
e morrer à míngua
é agora?
é hora, é nunca?
não sei,
é véspera ou aurora?
rasgo o lençol em sua busca?
não sei
onde está você?
nunca sei.
Saramar

DO LEME DESGOVERNADO


O amor, feito bala perdida
cortou-me o corpo,
tragou-me a vida.
Ainda procuro de onde veio
como se fosse importante saber,
como se o leme desgovernado
do meu coração,
já não me tivesse levado
para o outro lado do mar.
como se meu fôlego já não
houvesse também se perdido
de tanto amar.

Saramar

Imagem: Bernard Cau



Veja outro poema aqui.

SELVA


durmo de lado,
sonho errado,
perco a visita da lua.
toda noite,
a selva é minha agonia,
do que espero
e só vem depois que adormeço.

Saramar

Imagem: Marjanovic Vedran

TUDO E SEMPRE


Da delicadeza do beijo
e do alarde do gozo,
a ausência do corpo.
qual o seu? Onde o meu?
o tudo e o sempre,
ainda que se farte a lua
de espiar o céu
trancado neste quente azul
do nosso abraço,
interminável, lasso.

Saramar

Imagem: Tom Murphy

DEPOIS DO ADEUS


"O que será ser só
Quando outro dia amanhecer?"
(Chico Buarque)


De minhas flores escondidas
deixo-te o perfume
e o sumo de fruta verde
e encarnada.
Deixo-te os pecados nas mãos
e o mapa das dores perdidas
que insistes em desvendar.
Deixo-te o mar dos meus desejos
e o beijo fundo com que
me acendeste a boca e escreveste
a sina de te amar sem fim ou começo.
Deixo-te o avesso de mim
e a tepidez de minhas promessas.
Deixo-te o que restou depois do tempo,
a leve trilha de tuas mãos
e o meu lento enlouquecer
nas festas que inventavas,
bailando, inebriante, em minhas frestas.

Deixo-te, a porta aberta...
Saramar

Imagem: Daeni Pino

O TEMPO



é o tempo severo senhor
do sempre e mesmo destino.
os números que o querem conter,
brinquedo de meninos,
crianças no afã de esconder
que, ao final, olhamos o tempo
sem saber que toda a esperança
está sempre antes do hoje.
e passamos o tempo
imaginando-a no amanhã.
Saramar

Imagem: David FN

QUE NÃO MAIS SEJA, A DOR...


Cantar os mortos,
contar os mortos.

Que minha voz morra também
para sempre e antes deste carpir
antes de numerar a inominável incoerência
:
o homem matar o homem.

Que me caiam os olhos antes de ver
homens mortos pelos homens.

Que se lance aos cães minhas mãos vermelhas
da outra cor da negra tez, aberta aos borbotões.

Que se velem meus ouvidos para sempre
com o lancinar do grito das mulheres.

Que não mais seja, a dor de tanto ver
que cada homem não morre sua morte,
de ver a morte aos quilos, por atacado,
pelo ataque do homem, morto pelo homem.

(lamento pela paz)

Saramar

DEPOIS


cansada e nua
despeço-me à porta,
da noite, de ti, da lua.
banhada de sua ternura
e saciada, durmo,
enquanto o sol,
invejoso do lume
que em meu corpo deixaste,
arde sobre as flores que trouxeste.
Saramar


Hoje estou também aqui.

BREVE SONHO


foi tão breve o sonho,
se fosse pesadelo, duraria.
o amor em sua cegueira,
que dizem proposital,
passa assim como os sonhos,
breve vento mortal.
e deixa tudo mexido,
tudo fora do lugar
deixa também o gemido
da dor de não mais ser
deixa tudo revolvido,
leva a vontade de viver.
o amor não devia
fazer a gente sonhar
para depois ir embora
quando um sol, parecia
de tanto que alumiava,
mas na verdade cegava.
todo mundo bem que dizia,
mas eu, cega como estava
nada via, só sonhava.
e quando dei por mim,
novamente anoitecia.
Saramar

Imagem: Yuri Bond

VIVER?


senda, sonho, trilho?
silencio, não sei

sanha, choro, rogo?
cicio, talvez.

soma, sina, sono?
afirmo, é isso.

será?

Saramar

DESENCONTRO




a um passo de vê-lo,
esqueço o enredo
e passo como se fosse você,
o manequim
e o amor que tento,
o olho dele,
morto.

Saramar

Imagem: Nicoleta

À SUA PROCURA

Hoje posso dizer como o Poeta
que mil vezes finjo vê-lo e só a
sombra me faz companhia.
Entretanto, sonho e assim
eu o tenho, próximo a mim.
Busco-o com meu olhar na
paisagem vazia.
Nada, nada o traz, nem este
lamento de amor, nem
a tristeza de minhas mãos
frias a tentar um toque, uma
só carícia que me nutrirá
a vida inteira.
Indago as sombras, aborreço os dias
à sua procura e, desta maneira,
imagino- o aqui, sinfonia em flores.
Até nas aves o vejo.
Mas são sombras,
são dores e a distância que,
ao final de tantos malogros,
ao ensejo das horas cruas, finalmente
me dirão que aqui, ainda não está
.
Saramar

Imagem: Willow

MURALHA



Mar,
muralha
a nos separar
sem porto, sem cais
o mar anda por lá.
aqui é água lenta
de pântano escuro
e seus monstros
que à luz do dia
não se mostram jamais:
a saudade, sombra no peito,
o vinho que amarga a boca
e uma melancolia,
liame nos pés, no fundo.
Quanto mais o quero perto
mais a muralha se adensa.
À noite minhas mãos frágeis
mergulham em mim,
em lembranças quebradas,
e sei assim,
pelo gelo que encontram,
que se distancia cada vez mais.
Saramar

ESPERA


não sei mais o que sinto,
por tantos rumos o amor me leva.
não sei se morro de dor
ou se me embriago de amanhãs.
(lembrança das horas que vivo.)
se insisto e levo meu barco de papel,
perdido também,
entre o frio beijo e o silêncio.
é a ilusão que procura trilhas,
um sinal, uma seta.
é a manhã que chega depois de mim
para anunciar o dia, insone que vivo,
de tanta espera.
Saramar

Imagem: Cristina Becejski

CÍRCULO


foste hábil
para criar álibis
de me deixar.
ando agora
na frieza dos mármores
sobre meus sonhos inúteis
em círculos,
só.
Saramar

Imagem: Carole Bécam

Convido-os a ler outro poema
aqui.

DESALENTO


quanto vão pode haver
entre as palavras com que tento
falar do meu desalento
e o que, em vão, invento

para esquecer?

um mundo, um vento que tange as cores
do camaleão do meu intento de me esconder?

(em vão)

o que pode haver?
Saramar

Imagem: Cartro Pedra

MOMENTO


há momentos em que o amor não basta
e a solidão é uma mordaça,
dá vontade de se cortar
e virar um galho de flor
morto e bonito,
cercado de vidro e riso.
e virar uma flor bonita
enfeitando olhos de longe
e o perfume de flor morta,
e a cor morta.
há momentos de me matar.
e aparecer depois da porta
linda e fria,
com o brilho de cacos
no corpo.

Saramar

Imagem: Ian Winstanley

LEVE A DOR


À dor, não cabe prisão.
Antes, há que soltá-la, em uivos de cão
ou canto, em levas,
pra longe do coração.
Há que confrontá-la com a beleza das ruas,
com os olhos do moço que passa,
com a primavera rolando pela calçada
em perfumada conversa com as pedras.

À dor, abra as portas
e, com seu mais lindo batom e as pernas nuas,
leve-a em trottoir pelas ruas
sempre um passo além... da dor.
Assim, ao erguer o olhar,
por trás de tão linda boca,
ela não reconhecerá
a angústia que habitava,
a cordial morada, antes sua.

E irá se perdendo... a dor.
A dor irá se perdendo
nas ruas por onde for,
você e suas pernas nuas.

(para duas ou três poetas
que trancaram a dor,
entre elas, eu)

Saramar

INSENSATEZ


Não fosse o amor essa insensatez
e o desatar de dias em ilusão,
não fosse essa paixão
que desnorteia a boca,
e me põe a rasgar as palavras,
qual cortinas,
enquanto me dispo.
Não fosse esse tanto de loucura
que minhas mãos pressentem
no seu corpo que desejo.
Não fosse a luz e a sombra
com que me tortura
e essa fome de beijos
com que amanheço.
Não fosse a palavra mais doce
que em fuga, me diz...
eu poderia esquecer tudo
e fingir que sou feliz.
Saramar

Imagem: Ladmore

A COR DO TEMPO


Porque o tempo,
indiferente pintor,
substitui a dor por uma ilusão qualquer.
O tempo é uma mulher e seus vestidos
hoje preto,
azul amanhã
e o vermelho de alguma paixão.
Entretanto,
ao final de tudo que é sentido,
O tempo é branco,
leva consigo toda cor e
carrega para longe a dor.
Saramar

Imagem: Roman Path

CAMINHO


Vem,
ensina minha mão a encontrar
o rumo,
o movimento,
o porto
para que ela saiba se perder
nos líquidos caminhos do teu corpo.

Saramar

MINHA DOR


Minha dor suburbana
é menor que os frágeis meninos
que morrem todos os dias
e suas pernas franzinas,
como de dançarinas.
Minha dor inerme,
minha dor sem peito,
é tão mal percebida,
que só aparece assim,
em palavras apagadas,
rasuras que apenas arranham,
o que realmente sinto.
Essa minha dor,
fruto de mesquinha semente,
que tragédia a gerou?
Talvez um amor perdido,
talvez um sonho tão repetido
que perdeu o sentido e desbotou.
Mas é forte, frutifica
e, atrás do pano barato da cortina,
cresce em madrugadas,
essa dor que me desatina.
Saramar

Imagem: Pamela Williams

Das letras em meu peito

Sem rumo,
sem mundo,
sem você.
só esse atropelo,
as letras do seu nome no peito,
a lua muda
e uma música interminável
"a machucar meu coração".

(
Por que não me avisou
que iria doer?
)


Saramar
Imagem: Bernardo Cau

DESPEÇO-ME DOS SONHOS


Despeço-me dos sonhos,
os únicos guardiões da solidão
que dorme comigo e comigo amanhece.

Já não mais virá pisar nos meus canteiros
refazendo a madrugada em música de amor.
Meu colo, antes abrigo, será árido chão.

Vai e reescreve sua canção,
deixa os acordes no devido lugar.
Eu, daqui fico, em noites sem sonhos.

Não prometo guardar todas as águas,
não sou desse tamanho,
principalmente quando se trata de dor.

Irei me alimentar de lágrimas e
me assombrar na surda insônia sem sua voz.
Vai, não pense mais.

Afinal, tudo se vai sempre.
Só o amor, esse incansável,
insiste em ser enquanto der.
Saramar

Imagem: Nathalie Shau

PÊNDULO


a vida não espera o compasso dos relógios
nem o dia virando noite
e vice e versa sempre
para que a esperança
se canse de ser esperança
e vire vida
que não segue o compasso de nada
senão do amor que vem e vai,
que volta e não volta,
retorna e se torna vida
que não morre de si
e, volta e meia,
revira volta.
Saramar

PRIMAVERA (II)


a semente,
após longa semeadura,
surge em flor, em fruto.
como bambuzais dançam
em perfumada brisa,
as palavras, rubras,
abrem o cio dos versos
dando cor à vida.

Saramar

SE EU FOSSE POETA


Queria dos poetas, o gume,
a palavra exata, o corte
no minuto último do respirar.
Queria falar como os poetas
escandindo versos,
escolhendo o acento perfeito
e o amor em heptassílabos,
mais bem feito que qualquer vida,
a dor no devido lugar.
Queria música nos meus versos
para enfeitar meu tosco dizer.
Assim, quem sabe,
meu amor que não me vê,
embalado na beleza desse lindo versejar,
olhasse para cá e se pusesse a admirar
o ritmo, o verso, a música
e entendesse,
nas palavras que escreveria,
o amor que nestas rimas pobres,
não consegue enxergar.
Saramar

PAIXÃO

quando te entregar
o pleno tremular das coxas
e a maciez das costas ondulantes
cristas do mar, arrebentação,
irás, do êxtase ao temor delirante.
em tropeços, tonto
e de sal coberto,
finalmente saberás
o significado da paixão.

Saramar

Imagem: Maria Stenzel

TORTURA


tua noturna presença
a tortura dos meus olhos
a vislumbrar-te
no escuro.
sombra de mim,
amor que não me deixa
e desconhece a indiferença
de teus olhos de outros olhos mirar.
Saramar

SÓ NUVEM


eu cheia de não-me-toques
e você todo no bem-bom,
pintor de sonhos,
colorindo meu mundo.

eu toda toda toda
e você recostado no muro
esperando meu jeito
e desmanchando tudo.

eu vazia de rumo
e você tomando minha mão
e levando o chão...

são asas, são asas
que pintou em meu coração.
Saramar

O AMOR QUE SINTO POR VOCÊ


O amor não é um jogo
não tem trama
o amor é o inverso
é a corda no pescoço
não é beijo depositado
é ferida no peito
e o sangue de quem deixa
de quem morre
e se entrega à dúvida
e despreza o freio.
o amor é o joelho no chão
do coração
é a certeza
e o não-sei-o-quê
que assombra e some
é esse querer sem jeito,
sem tempo certo,
sem jogo.
Amor é o que sinto por você.

Saramar

Imagem: Edvard Munch

INSANA


Diz-me louca, insana.
É o amor que assim me deixa.
De que se queixa?
Da chama que lhe falta
ou da paixão que me toma?
Saramar

Imagem: Richard Cosway

QUERO SOMENTE A TI


Quero somente a ti.
Leva-me de mim e da solidão.
Leva-me, ainda que em breve sonho,
empresta-me seus lábios tão leves,
e a primavera se precipitará
em flores e perfumes dentro de mim.

Saramar

QUEIMADA


queima o cerrado
mata tatu
tamanduá
tudo tarde
tudo arde
até só a cinza sobrar.

por baixo, a chama
sem alarde.

meu amor é igualzinho
também queima
também arde
também é fogo de matar.

e quando penso que se acabou
por baixo a chama dele
continua a queimar.
Saramar

FRUTO


o amor, esse fruto pesado
inclina a alma, desfaz o prumo
da árvore, dobrando os ramos,
suave dobrar-se
do céu ao barro
e voltar.
balanço.

o amor, esse fruto túrgido
fecha a garganta, derrama o travo
no vórtice amargo da ausência,
no curto tempo de murchar.
sem espanto.
Saramar


Imagem: Hiazann Chen

OFERENDA


da arqueologia da carne,
ofereço-te a vida,
sem dor, sem remorso.

da rosa e sua penugem,
ofereço-te o orvalho.

da fresca boca, e lânguida,
ofereço-te a orla.

vem, na noite,
como o vento,
como o mago e sua flauta,
cálido,
leva meus úmidos véus,
desvenda o abismo do meu dorso.

Saramar

Imagem: Daeni Pino

EU E VOCÊ


Você era o lume
na aguda nudez dos meus olhos
vendo tudo que eu sonhava,
mas se perdeu do meu carinho.

Desenhei palavras de amor
nas calçadas,
esperei sua resposta.
Você mudou de caminho.

Farto-me agora dos amores alheios
beijo com os beijos dos outros
deito-me em leitos repletos (miragem)
entre as canções dos amantes.

Nossa música era a mesma
e outra também, mais intensa
e a todos seduzia, mesmo presa,
guardada em nós (ilusão)
como fruta aberta na mesa.

Mas você mudou de caminho,
perdeu-se em outros carinhos.

Saramar

Imagem: Nicoletta

TARDE


Agora sei que amar você
é embaraço de pêlos,
tonteira, tentação,
uma cor de crepúsculo
fingindo aurora
um poema preso
em folha branca.
Amar você é um drama,
um silêncio lá fora
e gemidos por dentro
e gritos
e graças ao dia
em que o mar se abriu
e o conheci
biblicamente.

(por que só agora descobri?)

Imagem: Picasso

Hoje há um poema novo lá no blog do Leo. Clique
aqui.

ORQUÍDEA



entre umidades,
sob impoderável peso,
o entreabrir lento e encarnado.
de todas as seivas, bebo
de todas as luzes, tomo
um pouco da cor, um pretexto
de apressar o momento,
em que finalmente, floresço.
Saramar


Imagem: Bluegirl