MAR


De tanto amar,
andei perdida nos dias,
acima da vida,
em círculos,
em laços.

De tanto amar,
sonhei-me na praia
e meu cáustico rei.

Salinas tomaram meus olhos.

De tanto mar,
de tanto amar,
em escolhos afundei,
náufrago de impossível retorno.
Ondas, ondas, ondas,
em ondas oscilei.

O mar sempre me chama,
O mar, o mar,
Se ave de arribação,
meu norte soubera.

O mar sempre me chama,
quem dera, riacho,
ai, quem dera.
Saramar

NATAL


Em vão, clama o Filho do Homem.
Os homens, surdos são.
Clama o Filho pelo amor
pede o fim da dor, desde sempre,
há tempos, séculos de súplicas vãs.
Pede o Filho pelo
desvalido, pelo ferido
dos sofrimentos do mundo.
Os homens cegos são,
ainda que todos os oráculos
descerrem, da ambição, a névoa
e, a nu, a fogo, à força
revelem a próxima perdição.
Os homens tolos são.
Cegam-se de luzes coloridas
e se presenteiam em farturas.
Em festas, derramam o vinho
e se esquecem de outras vidas
que, filhas do mesmo Pai,
que, irmãs do mesmo Irmão,
só sabem da vida, o sal,
sem o pêssego, sem o pão
e clamam como o Divino Filho,
por um olhar, por compaixão
nesta noite de natal!
Mas, os homens surdos são.
Saramar

Imagem: João Garcia

FALE-ME DE AMOR


Por favor,
fale-me de amor,
que ando em estrelas
e me desafio
para ouvir
esses seus
suspiros
e sua voz
falando da
minha,
quando é
em você
que moram
os encantos.
Fale,
fale de amor.
Por favor.
Saramar
Imagem: Titiano

AGONIA


Essa agonia das palavras
a me perseguir constante
como castigo na ponta do lápis.
E a página branca que me atrai
irremediavelmente.
Minha incapacidade,
seu escárnio.
Saramar

DESEJOS


O desejo arde
sem queimar.
dos dias
faz a festa
dos sentidos.

Saramar
Imagem: Alfred Gockel

E SE FOR AMOR?


e se for amor?
como fluirá
neste meu deserto?

e se for amor
e tentar invadir
meus muitos vãos?

e se for amor
e for louco
desfazendo o chão?

e se for amor
e fluir, lava,
água de monção?

e se for amor
e caminho de fugir
onde me lançarei (eu sei)?

onde me esconderei?

de que me cubro
a proteger esses olhos
perdidos de escuridão?
Saramar

Imagem: Bill Curtsinger

APELO


Vem amor,
junta tuas asas às minhas
Vamos à busca de refúgio
para o nosso amor nascente.
Vem amor,
pois que almas sozinhas
escoram os dias em neblina
em fria névoa somente.
Vem amor,
entrego-te meus sonhos
empresta-me teus beijos
que os farei meus em
manso delírio, na chama
dos mais doces desejos.
Vem amor,
e me toma em tuas mãos
toca-me a pele e a boca
e te mostrarei, rouca, louca,
a liberdade dos amantes
que, amando, loucos são.
Saramar

Imagem: Abott Handersen Thayer

Sua boca

sua boca
de refúgio
e tentação
é o mais longo
labirinto,
vulcão.
sua boca é
calor e renda
suave pluma .
nela
me rendo
em perene
perdição.
Saramar

Imagem: Ossiane

CONJUGAÇÃO


Eu amo
Tu não amas
Vida
irregular.
Saramar

Imagem: José Luiz Garcez

INSÔNIA


Um cigarro
Um livro.
E a saudade
acesa
sob o lençol.
A noite é maior
que meu sono e
amanheço
antes do sol.
Saramar

Imagem: Daeni Pino

VINDA



Quando chegou
eu não sabia
que seria turbilhão
e terna ventura,
nem pensava
que trazia em sua
mão
ternura
desmedida.
Relâmpago distante
a clarear-me a vida.
Saramar
Imagem: Bill Brauer

INQUÉRITO

Em resposta ao inquérito da minha querida Daniela, tentei responder assim.
As expressões e palavras coloridas correspondem às perguntas.

De altura tenho medo,
a não ser daquelas
a que o meu amor me leva.
Minhas sandálias são pequenas e leves.
Há nelas uma flor, vermelha.
Tenho medo, tenho medos,
da escuridão que me cerca
das ruas desertas, da saudade
e da solidão.
Tenho tantos medos
e penso em não tê-los mais.
Por isso, me desmancho
e me reconstruo
com um único objetivo:
ter o meu amor comigo
em serena quietude.
Se com ele falasse,
diria desse amor e da espera.
Diria da saudade que tenho

da sua voz e carinhos lentos
que ele faz.
Não sei falar de amor, não sei.
As palavras se embaralham, tantas.
De mim, sei falar menos ainda.
E do meu corpo, só gosto dos
intocáveis desejos que me animam.
Meu corpo não é. Eu sou.
Mas com ele brigo e brinco
sem profaná-lo
com feias palavras ou gestos.
Ele, meu corpo, não é.
No entanto, carrega-me
e sofre as minhas dores.
Meu corpo sofre a solidão
e chora nas madrugadas
em cama sem lado, vazia.
Ao centro, ao lado, eu,
apenas eu em banhos de
penumbra, de sonhos
e fantasias.
Todos os dias.
Sou eu e ele, o meu amor.
Ele lá, eu aqui,
envolvo-me
como ele me envolveria
toalha quente,
beijo quente
e suas mãos douradas.
O que me provoca e carrega
minha alma, nuvem leve,
olhos de criança feliz são
as palavras de amor que ele me envia
em correio alado, em asa de ave e
que transformam meu dia
em parque de diversões,
em loja de bichos de pelúcia,
meus brinquedos preferidos.
Os dias são longos e claros
e se me perco nas horas,
encontro-me em minhas palavras
porque nelas acredito, são minhas,
são eu mesma.
Acredito em mim, nas pessoas
felizes e amo todas elas.
E se tempestades enfrento,
gosto delas também
porque mostram meu frágil ser
impedindo-me de me lançar
a façanhas, abismos e caminhos impossíveis.
Minha única aventura é escrever,
e então, sim,
corro riscos, esportista
e ando em fios, equilibrista na vida.
Este é o meu prazer e minha companhia
Assim, brinco e choro,
esqueço os mórbidos medos,
o escuro, as cobras e lagartos
que a vida insiste em dispor
em minhas esquinas.
Disfarço e refaço meu caminho
escondo-me do medo nos livros
escondo-me dos jornais, transformo
cicatrizes em flores, tatuagem amarela
de antigas dores.
Sim, há dores pelo que não fiz,
pela saudade das ilhas que não me
contiveram, da terra-mãe
que me chama interminavelmente.
A saudade dos lugares onde nunca estive
transforma tudo em noite e sonho,
mesmo tendo os bolsos vazios,
vazios de poder.
Ah! se eu tivesse poder de primeiro-ministro
traria para este lado do mar
o meu amor que tão longe está
e nenhum dinheiro do mundo
me interessaria mais.
Seria rica, nababo de amor.
E descobriria em lâmpadas
o sabor dos beijos
que
nunca provei, até morrer,
às 23h59
de um dia qualquer,
mas não sem antes, conceber
dele, o fruto do mais doce amor.
Saramar

CRIANÇA?


Criança?
Não sou.
esqueci meu riso
na boca da noite
espantei o fantasma
sob a cama e durmo
pesadamente.
O cansaço dos dias
hoje é meu colo e
a saudade do meu amor,
música de ninar
a mergulhar em sonhos
minha alma cansada.

Saramar

Imagem: Norberto Rosing