TERNURA

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos.
Das horas que assei à sombra dos teus gestos

Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade
o olhar extático da aurora.

Vinícius de Moraes

AMOR


O outono é primavera, quando
o amor nos toma o corpo e a alma,
transformando folhas caídas
em flores banhadas na seiva vital.
Envolvidos em embriaguez atemporal,
confundem-se nossos sentidos,
bocas são édens;
a pele, poças
e os olhos, andarilhos cegos.
O amor, esse graal
para nossa incompletude,
nutre-se de minúcias,
Um insensato viver
em busca de si mesmo
Que nós, seus servos,
chamamos de felicidade.

PRÍNCIPES E POETAS


Quero que o dia acabe, cada vez mais rapidamente.
Há uma voz em minha cabeça,
que repete um poema de Bates (uiva, uiva,...)
Há um tremor em meu corpo,
que reflete o desequilíbrio deste maltratado autômato.
Outra voz grita: acorda, acorda,
d’accord, d’accord, d’accord, como Chico.
Escrevi uma página inteira de loucuras
porque não posso falar delas para ninguém.
Acha que sou louca?
Ainda não viu nada.
Nada em mim tem medida.
Não gosto de portas fechadas.
Não gosto de chaves.
Tenho medo de escuro.
Quero tudo aberto e iluminado.
Tudo o que você precisa ser, ou não ser.
Não estou cabendo em mim.
Não estou me contendo.
Há algo me roendo.
Há algo me comendo.
Tremendamente.
O meio dia nunca passa?
A meia noite nunca chega?
Vamos, príncipe, compor uma música?
Quero escrever uma carta de amor,
Mas só tenho um envelope vazio e frio.
Há um ar de expectativa em torno de mim.
Como se a fantasia fosse se realizar.
Bate, bate, geme e uiva,
Perdidos na noite.
Sonho de uma noite de verão.
Fui picada pelo mosquito do dengo.
Doce picada em sua voz.
Doce e violenta voz em meus ouvidos.
Estou contaminada.

SOLEDAD

Te vas quedando solo.
Apoyaste todo tu amor en los ancianos
que te sonríen y luego se marchan.
Escribiste páginas borrables
y poemas de corta duración, como tu vida.
Ni los libros leídos ni los más amados
estarán contigo allá, que es dónde.
Abiertamente solo, vas pensando, en la noche,
cómo engañar a la soledad
con un monólogo,
con un aplauso.


Virgilio López Lemus

CENÁRIO



Na planície estorricada secam florezinhas
azuis e vermelho sangue.
As sobras pretas erguem pedidos de socorro.
O rio passeia calmo, preto, verde, branco.
Insetos cegos tremulam no calor e fazem
zoada onde existia música de pássaros.
Mil sóis embraseiam o chão e o pão.
O rio passeia, calmo, preto, verde.
Lagartixas negras como a tarde perambulam em pedras.
Fagulhas, riscos negros, carvão, carvão.
O rio passeia, calmo, preto.
Cumbuquinhas jazem, patéticas, de látex.
Contas, colares de cores, negros.
O rio passeia preto.
Sombras de movimentos derrotados, a êsmo.
Reetrocedem os homens e suas mãos destruidoras.
Eo rio passeia.
Deserto, voragem.
Preto, preto.

POEMA INÉDITO

Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acende-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revôo sobre a ramaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino?
Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente.
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Ó meu pobre, meu grande amor distante

Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!
Mário Quintana

CORTINAS



Hoje, não te olho mais
atrás das cortinas.
Jovem e novo olhar buscando
reaver os velhos sonhos
e antigas alegrias.

Hoje a menina e a mulher não mais conseguem
levar a ilusão até os palcos.
Nem mesmo a razão
busca razões antigas para
este renovado encantamento.

Hoje ainda te olho de longe
e tu, ainda hoje, não me vês.
Estás ainda mais longe,
além de todas as distâncias.

Mas, hoje eu te busco
decisivamente, eu te busco,
sem cortinas, sem razões,
eu te busco.

CLARICE

DECLARAÇÃO

Hoje vim falar da minha cidade.
Da doçura e do prazer que moram
nas praças, nos quartos, em todos
os pedaços da minha cidade.
Vim falar das pessoas
que vivem aqui.
Vim falar da minha cidade,
que traz nos braços jovens
todas as alegrias e tristezas
multiplicadas por milhão, e
que leva no peito jovem,
as esperanças infinitas de
seu povo novo.
Vim falar hoje do amor
que, de repente, aparece,

nos inusitados cantos
em todos os recantos de minha cidade.
Vim dizer que a vida flui, anda,
corre, dói nas veias sadias,
nas pernas maravilhosas, nas puras cabeças
da minha cidade.
Preciso ainda comentar brevemente
que a morte passeia aqui,
como em todas as outras.
Que a dor escolheu esta, como
uma de suas cansadas moradias,
mas, não a mais confortável.
Que a fome também tem lugar
em minha cidade.
Mas, ironicamente, irreverentemente,
felizmente,
vivo aqui em minha cidade.
E, no fim de todas as duras e
sofridas dores,
a vida, a vida-vida,
a vida vivida
com muita vida,
mora aqui
em minha cidade.

CARTA PARA UM AMOR IMPOSSÍVEL



Gostaria de ter nascido argentina,
com uma alma perigosamente passional.
Então faria o que meu coração e meu corpo ordenam,

sem dúvidas ou hesitação.
Deixaria o que há ao meu redor e que já não tem sentido.
Iria ao seu encontro, viver desmesuradamente,
até nos esgotarmos de nós mesmos.
Que durasse algumas horas ou séculos.
Que nos reencontrássemos em outros universos.
Que fluíssemos por uns poucos minutos apenas.
Nada disso tem importância. Tudo é nada. Só você é tudo.
Mas, minha pobre alma é tímida.
Não obedece ao meu coração e muito menos ao meu corpo.
Por isso, fico aqui, vivendo do sonho de um dia encontrá-lo.
Por isso, essa ânsia em meu corpo, nos meus gestos.
Por isso, esse frenesi, essa eletricidade em torno de mim.
Por isso, essa doce tortura revivida a cada dia,
de ter não tendo, de sentir sem tocar, de amar sem ver.
Por isso, sou uma fênix a cada noite
em seus braços, em suas pernas, em sua boca, em seu corpo.
Por isso, meu amor aumenta de segundo a segundo,
areia na ampulheta inexorável do tempo
.

FRAGMENTO DE UM GRANDE POEMA

"A última não existe, Comadre,
nada é último... "


Soares Feitosa

FESTA

A esperança surge colorida.
Os olhos emprestam sorrisos a minha boca .
Anjos e sátiros, mãos dadas,
brincam em meu corpo.
Uma festa, onde o medo procura entrar,
por enquanto, inutilmente.

CHAMADO


Onde anda você
iluminado feiticeiro
que fez derramar lavas,
um árido coração.
Onde está você?
Por que se esconde
depois da festa
amarela, azul,
vermelha
de risos, beijos, paixão?

SOBRE A MORTE

Achado por aí, em um livro qualquer

"Oh! pequena nuvem", disse a virgem,
"peço-te que me digas
Por que não te queixas quando,
num instante, desapareces;
Então te procuramos, mas não
encontramos. Ah! Thel se parece contigo:
Dissipo-me: contudo, queixo-me,
e ninguém ouve a minha voz."

Willian Blake

SONHO

Sob o sol de setembro,
sobre as pedras brancas do rio,
Marieta preta lava alvas,
alvas roupas de outras,
brancas como as pedras.
Todo dia
santo dia
dia santo
Marieta molhada, lava.
Marieta, cada vez mais preta,
roupas mais brancas,
sempre.
Num dia de setembro, sem sol,
dia mais besta,
Marieta dormiu e sonhou.
Sonhos alvos como as pedras,
sonhos lindos como a roupa.
Sonhos de céu
de árvore
de bailes
de amor.
Sonho sem predra branca
com sol de setembro
com luta de setembro
com chuva.
Sonho ansioso de amor
de beijos,
molhado como as pedras
como as pernas de Marieta.
Marieta acordada
molhada
de amor
de lágrimas
de roupa lavada.
Marieta, coitada
acordada.

POEMA JUVENIL


A cidade e as serras,
a cidadezinha pitorescamente morta.
Grandes grilos pousam
em flores descoradas
pela chuva.
O ar pasmaceia.
De vez em quando, bandos de pássaros conversam
nos fios e saem em visitas corteses.
O rio descansa, lento e frio.
Poderia correr, prefere ir se derramando
ao gosto da chuva constante.
De repente, o sol amarela a nesga azul
e se abre maravilhado.
As flores levantam suas sépalas e brilham,
espantando os grilos.
Os pássaros formam uma ala
em alaridos felizes e desconexos.
O rio explode em cascatas felizes.
Tudo reluz e sorri
à chegada do casal real
que, indiferente ao descompasso do mundo,
vem para o ócio conquistado.
Mãos entrelaçadas, sorrisos, amor,
deixando para trás, corações
e corpos saudosos e despedaçados

SOLIDÃO II


O homem é só.
Seu destino é andar sempre
com outros solitários.
De que vale o amor, se é uma
invenção banal, imprescindível?
De que vale o sexo, se está sempre
aquém da solitária imaginação?
De que vale ser homem
se só existe um em cada mundo,
se só existe um nos vários mundos?
Se, em um espaço vazio
aparece a solitária figura,
ela, só o que faz é multiplicar
sua solidão por milhões
e estampar em cada face a
culpa inexorável de estar-ser sozinho.
Por criar a teoria dos grupos,
como num teorema matemático
cuja percepção está no intangível
cosmo, que é a apenas a solidão
em ponto maior?