NATIVIDADE


Abrem-se os olhos da abençoada criança
e os braços e as mãos.
Sua alma espalha-se pelo mundo,
árvore de frutos mais perenes
que o tempo dos homens,
que o medo e a dor dos homens.
Mestre da suprema lição,
Jaz sob uma multidão de cegos
e de luzes.
Corpo da esperança,
continua a nascer aqui e ali
nos recantos dos tristes,
nos olhos dos desesperados,
na alma de quem espera.
Menino, Jesus se levanta
E abre os olhos.
Enche-se o mundo
de luz.


Saramar

DE PERDA E DOR

 


Irremediável clown,
de amor colorido e triste,
doce guerreiro
de palavras e dores,
anjo, anjo de lutas tantas,
a rir de si enquanto ama.

Ah, meu amigo, o que fazer de você,
agora que já não diz nem sente?
O que fazer da gente,
quando nada mais há
senão o espanto
de nos saber sós
e não mais sabê-lo,
senão que anda solto por aí
desnorteando outros mundos
com sua doçura?

Diga-me, amigo, amado,
o tamanho dessa dor
e, com palavras tortas,
por quantas vidas vou chorar.

Diga-me, por favor!

Saramar

(Para o meu amado amigo, um poeta que se foi em silêncio).

ÁGUAS



Desabam os homens
e caem-lhes, entre as pernas,
no lombo, na cara,
fogões e trapos
e restos de filhos, trôpegos
da morte
que sempre cai bem aos pobres.
Desabam os homens
e rolam por montanhas de indiferença
entre os risos, os fogos,
os tépidos abraços
que cada iniciar impõe.
Na festa travessa do novo ano,
cascateiam pernas e roupas
deságuam os risos
desfazendo em tripas mortas
e coloridas,
a vida.
Deságuam os céus,
desabam os homens
e as mulheres pretas
sob o resto podre dos festeiros insanos,
a cada ano.
Saramar