ESQUINA


Uma esquina,
tantas solidões
apressadas
e de repente
eu, você
e uma história de amor
atravessando a rua,
de mãos dadas.
Saramar

Imagem: Eleanor Polen

CAIS


Meu barco em pedaços,
sem tesouros, sem conforto,
sem esperança de descanso,
anda em busca de novo porto
um lugar onde ancorar,
onde guardar os destroços
de tantos sonhos naufragados
de tanta ilusão desfeita,
de tantos escolhos e ais.

Meu barco em pedaços
já procurou tantas terras
onde envolver-se nos laços
de algum amor para sempre.
Sem guarida, meu barco,
nunca encerra sua busca,
navega continuamente e
nunca encontra um cais.
Saramar

Imagem: Baixaki

ARCO-ÍRIS


Eu o olho com olhar de passarinho
quando enxerga um girassol
e a quase insuportável beleza
colore íris,
tinge o céu,
desmancha
e refaz
todas as cores.
puro arco-íris.
Saramar

Imagem: Marthe

Hoje tem poema no lindo blog do Léo.

FINGINDO


Finjo que sou poeta
e me ponho a contar estrelas
uma, duas, três
e disso não passo.
Surge logo o seu rosto,
entre os astros
e ofusca, das constelações,
as mais belas.
Viu o que faz?
Nem posso fingir mais.
Saramar

Imagem: rsemm

MEU AMOR


Quem me guarda no peito
e me aquece o leito
em quase verso,
em transes e meneios
meio menino, meio poeta?
Você, que é meu riso,
a sombra da laranjeira,
a vida em festa
e o amor no meio.
Saramar

Imagem: Deborah Van Swearingen

VELHAS PALAVRAS


Uso minhas palavras antigas
que estão a se acabar
em velhos dicionários,
em frangalhos.
Restam poucas
e tudo ainda falta dizer.
Entreguei quase todas
não as soube conter,
e se perderam.
Algumas, afoitas,
afogaram-se no mar.
Uso as palavras que me restam,
inanes, sem sentido ou destino.
Esqueceram-se,
não sabem se encontrar,
cansadas de procurar
o elo, o verso, o riso.
Saramar

Imagem: Weisenflut

MEMÓRIA


chicote nas costas,
cruz de me curvar
e algum azul
para distrair.
Saramar


ETERNO


Não te esqueço amor.
Apesar de mudar os caminhos
e cantar outras canções,
permaneces em meus sonhos.
Apenas tua voz está sumindo de mim,
último navio a abandonar o destroçado cais.
A lembrança de tuas mãos desfaz minha pele
em saudade, em desejo, em solidão.
Não te esqueço, amor
e a vida anda tão vazia!
Nem olho mais as estrelas
cortei os cabelos,
apaguei dos lábios meu batom de feliz
e me tranquei em noites eternas.
O que fazer, se não te esqueço?

Saramar

LUZ


Entre folhagens,
a névoa da manhã
e um pio amarelo.
Saramar

Imagem: Joaquim Coelho

RAZÃO


Pela fresta da porta
saltam meus sonhos
soltam máscaras
saltam montes,
selvas noturnas
e se vão soltos
salvos da razão.
Saramar

LUXÚRIA


Perco o juízo
peco todas
as noites
todos os dias
seu corpo,
espinho,
de ferir
inferno
a me queimar
a boca.
pedaço
a me cobrir
pecado.
Saramar

Imagem: Toulouse-Lautrec

EXÍLIO


Tão longe estás dos olhos meus
nem os murmúrios de sua saudade, ouço.
Se alcanço o sentir do seu amor distante
é na alma, é na pele, é na boca que o sinto
é nas noites, é nos meus seios frios,
ausentes dos beijos, do calor, dos anseios
de seus lábios errantes.
Saramar

Imagem: Picasso

Queridos, convido-os a me visitar também aqui, onde passo a colaborar regularmente.

ILUSÃO

Se a ilusão de hoje
em dor se tornar amanhã
o que será das certezas
que criaste em meus olhos?
Vejo-te, em sonhos suspenso
anjo, esfinge, meu par enfim,
depois de tanta espera,
depois de tamanha tristeza.
Quero-te, pastor dos meus desejos
a me cuidar, guardando-me
dos invernos, dos medos.
Amo-te sempre e mais
E, mesmo que meu coração se quebre
em mil pedaços, e nada reste de mim,
amo-te de amor constante e sempre.
Saramar

Imagem: Antonio Canova

DÚVIDA


Se eu fosse tua,
além de me
dar a lua,
atravessarias
a rua?
Saramar

Imagem: Chagall

SUBTERRÂNEO


Guardo todas as palavras que inventou pra mim.
Suas flores e os versos tontos de tanto amor.
Os temores, os desencontros, sua voz dizendo sim.
O seus desejos e as noites de nossos desvarios.
Guardo os poemas improvisados entre o sorriso e a dor.
Guardo tanto e tudo que me esqueço de ser mar
e me aquieto em rios, subterrâneos de lembranças,
floresta antiga, ciumenta de suas flores e da cor
das velhas folhas amarelecendo em segredo.
Guardo-o em mim.
Saramar

MANHÃ


Manhã
o sol indiferente
diz que hora de
esquecer.
expulso a tristeza,
e essa renitente,
sempre volta
pisando nos rastos
que você deixou.
Saramar

A ESCADA


Esqueci o verso
e trouxe a faca
deixei meu corpo
sobre a escada e
ninguém sobe
imune ao sangue
que escorre.
Não me venha
falar da sujeira
que espalhei
porque ninguém
se importa
com quem morre.

Saramar

Imagem: Cátia Rodrigues (editado)

ÁGUAS


Tomara que chova forte
tomara que chova breve
e as águas tragam o norte
para a beira da minha vista
para que enfim, a sorte
essa mulher distante,
essa mulher arisca
faça deslizar em minha porta
os olhos do meu amor
que mesmo molhado dos céus
irá secar toda a água
que escorre dos olhos meus.
Saramar

SAL


Quem dera o anjo de Sodoma
sal, cegueira e fim?
sem chamas, sem beijos.
do mal do amor, nada
livre do sofrer, enfim.

mas meus olhos,
em sal molhados
cegos de tanto ver
quem não mais me toma,
buscam sempre você.

Saramar

DESCOMPASSO


danças comigo
e piso na música
que desenhas
em meus vãos
como fazer
se não sei ler
os sons escritos
em tuas mãos?

(do lado de dentro, a vida dói,
dança em descompasso)

Saramar

Imagem: A. Magill

SEDE


A palavra bruta
o branco papel
aninham segredos
apesar dos dicionários
que nada entendem do amor
e não aplacam sede.

Saramar

EU TE AMO


Eu te amo.
Mesmo que, dramática rosa,
em meus espinhos escorra
vermelha,
o meu amor por ti
é verde e vivo.

Eu te amo
como sempre
desde antes de saber-te
e mesmo depois
quando, desfeito
o leito de neve
sejas apenas
ausência.

Eu te amo
para sempre
e durante as
primaveras
e te amarei
como ora amo
em branco inferno.

Eu te amo
com constância
de vida antiga
que se quer
perpertuar
mesmo depois
do ido sangue,
gelado, neve,
ainda assim irei
te amar.
Saramar

Imagem: Susana Ferreira

CASAMENTO


Prometo tudo
fugas para esses braços
salgados de mar,
salgueiros de enlace
o amor à la Vinícius
meus pés tocando os seus
(fim de todos os invernos)
beijos roubados em esquinas
do meio, do princípio
dos delírios
e da fome
minha fome noturna
dos seus lábios nos meus.
Saramar

Imagem: Pierre-Auguste Cot

NÃO FOI AMOR


Se ando assim tão triste,
se meu canto fere o dia
e faz murchar as flores,
é a saudade, a melancolia
pelo amor que não veio,
e continua em mim,
não quer passar.
Virou-me do avesso,
plantou sementes de vento,
encheu meus olhos de mar.
Foi só um breve começo
das tristezas que também trouxe
era dor e pensei alento
não foi o que pensei que fosse
era a dor a me visitar.
Saramar

DE TANTO TE AMAR


De tanto te amar
criei um mundo
e troquei as flores
do velho vestido.
De tanto te amar
combinei com a lua
as noites mais azuis.
E perderia o sentido
e assim perdida,
odalisca, quem sabe,
e seus pudores,
me entregaria
em teus braços,
em teus beijos
quem sabe,
de tanto te amar.
Saramar

ILUSÓRIA FESTA


Ilusória festa
Solidão entre tantos tristes
e bolhas douradas.

Ilusória festa
(e ninguém para ouvir meus sonhos).

Olhos sem esperança
perdidos entre claridades e sombras
por artifício de luzes.

Ilusória festa
à espera dos dias a vir
sempre os mesmos finitos dias.

Ilusória festa
Pés desmanchando a areia,
em dança triste,
como se desmancham
os sonhos, o tempo e a vida.
Saramar

Imagem: Verônica Scharf

SEM AMOR


Bem-me-quer,
mal-me-quer
e o cinza da indiferença
apagando a cor
das pétalas.
Saramar

Imagem: Debora Van Swearingen

PEDAÇO


Em suas mãos,
perdi o rumo
e refiz os laços.
Deixou-me, porém,
levando o mundo.
Não importa.
Nada posso tocar.
Sou boneca sem braços.
Saramar
Imagem: Mikito Nishimoto

MEL



se meu fosses
adoçaria teu corpo
entornando-me nua
no céu da tua boca...
Saramar

Imagem: Maria Ivone

SEM SAÍDA


Ou amo
ou me mato
ou morro
de medo
ou aceito
esse fato
ou mato
a sede
ou amo
sem limite
ou tato.
Saramar

ANTES E HOJE


Naqueles dias,
Ao teu encontro,
meu coração se foi
feliz como o vento
seduzindo folhagens
e a chuva
em disse-que-disse
com as flores.

Todos os dias,
primavera.

Hoje,
“Levaste contigo
o júbilo das cores”
Saramar

Imagem: Denis Nolet

DO QUE ME QUEREM


Rasgo cortinas
E me dizem louca.
Sou rainha,
cortejo vândalos
E me pensam mansa.
Compro navios
e me lanço ao mar
buscando unguentos
nas portas do mundo
E me chamam trânsfuga.
Do que me querem
não me apercebo.
Corto as veias e
sangro além
o sofrer pueril
de quem é apenas
rústica silhueta,
quem sabe esboço
de outro alguém.
Saramar
Imagem: Anika

FALSO BRILHANTE


Levanto meus olhos
ainda tomados de encanto.

Falso brilhante,
ácido em lâminas
fingindo pétalas.

Levanto meus olhos
e a luz me cega.

A ponta aguda dessa dor
me terá cegado infinitas vezes.

Ainda assim,
levanto meus olhos.
Saramar

MUDEZ


Tanto amor guardado
pronto para nascer
faltam palavras
para o descrever.
Tanta dor em guarda
pronta para doer
faltam palavras
para a conter.
Saramar
Imagem: Titiano

DEIXOU-ME ASSIM


Quantas lágrimas, quantas,
para salgar essa ferida?
Quantas lágrimas?
Rios já são, de chegar ao mar.
Invejo-as, não o consegui encontrar.
Deixei-me aqui, deixou-me assim
a vida nua, a alma nua,
e todos os perigos me rondam
na insônia mais prenhe de
fantasmas nascendo aos pares,
com jeito de dor dobrada.
Não há mais silêncios, não há.
Gemidos retorcem minhas mãos
e os cachorros uivam minha dor
imensa para ser apenas minha.
Os lençóis molhados não são, enfim,
do amor noturno e cego.
São dessas lágrimas que caem
da cama, como crianças sem
colo, sem abrigo, sem berço.
Deixou-me assim.
Saramar

Imagem: Pamela Willians

DESAMOR


Deus, e agora?
O que faço dessas caixas
abarrotadas de amor?
O que faço dos meus olhos
sem mares de mirar?
Ensina, por favor,
aos abandonados,
como desatar a alma
e deixar de amar.
Saramar

Imagem: Bouquereau

ESPANTO



Em meio-tom,
em suaves contornos
e sutilezas,
envolve meu dia,
cerco de carinhos,
e belezas.
Espanta-me
o navegante.
Sua voz de cantar
me chama,
vela meus olhos.
E me toma,
um crescente encanto,
um aroma de mar.
Saramar

Imagem: Ty Wilson

O AMOR É DANÇA


O amor é dança,
mas, antes, é música
e seus acordes,
os sentidos
transtornam.

O amor é dança
e em duas almas
faz a lúdica festa.

Seus sons
são pássaros
que sonhos
transportam.

O amor é dança
e baila inconstante
em sinuosos passos
de ilusão.

O amor é dança
e acaba
quando o dia se cansa
de esperar
em vão,
que a música
comece a tocar.
Saramar
Imagem: Robert Duval

MAR


De tanto amar,
andei perdida nos dias,
acima da vida,
em círculos,
em laços.

De tanto amar,
sonhei-me na praia
e meu cáustico rei.

Salinas tomaram meus olhos.

De tanto mar,
de tanto amar,
em escolhos afundei,
náufrago de impossível retorno.
Ondas, ondas, ondas,
em ondas oscilei.

O mar sempre me chama,
O mar, o mar,
Se ave de arribação,
meu norte soubera.

O mar sempre me chama,
quem dera, riacho,
ai, quem dera.
Saramar

NATAL


Em vão, clama o Filho do Homem.
Os homens, surdos são.
Clama o Filho pelo amor
pede o fim da dor, desde sempre,
há tempos, séculos de súplicas vãs.
Pede o Filho pelo
desvalido, pelo ferido
dos sofrimentos do mundo.
Os homens cegos são,
ainda que todos os oráculos
descerrem, da ambição, a névoa
e, a nu, a fogo, à força
revelem a próxima perdição.
Os homens tolos são.
Cegam-se de luzes coloridas
e se presenteiam em farturas.
Em festas, derramam o vinho
e se esquecem de outras vidas
que, filhas do mesmo Pai,
que, irmãs do mesmo Irmão,
só sabem da vida, o sal,
sem o pêssego, sem o pão
e clamam como o Divino Filho,
por um olhar, por compaixão
nesta noite de natal!
Mas, os homens surdos são.
Saramar

Imagem: João Garcia

FALE-ME DE AMOR


Por favor,
fale-me de amor,
que ando em estrelas
e me desafio
para ouvir
esses seus
suspiros
e sua voz
falando da
minha,
quando é
em você
que moram
os encantos.
Fale,
fale de amor.
Por favor.
Saramar
Imagem: Titiano

AGONIA


Essa agonia das palavras
a me perseguir constante
como castigo na ponta do lápis.
E a página branca que me atrai
irremediavelmente.
Minha incapacidade,
seu escárnio.
Saramar

DESEJOS


O desejo arde
sem queimar.
dos dias
faz a festa
dos sentidos.

Saramar
Imagem: Alfred Gockel

E SE FOR AMOR?


e se for amor?
como fluirá
neste meu deserto?

e se for amor
e tentar invadir
meus muitos vãos?

e se for amor
e for louco
desfazendo o chão?

e se for amor
e fluir, lava,
água de monção?

e se for amor
e caminho de fugir
onde me lançarei (eu sei)?

onde me esconderei?

de que me cubro
a proteger esses olhos
perdidos de escuridão?
Saramar

Imagem: Bill Curtsinger

APELO


Vem amor,
junta tuas asas às minhas
Vamos à busca de refúgio
para o nosso amor nascente.
Vem amor,
pois que almas sozinhas
escoram os dias em neblina
em fria névoa somente.
Vem amor,
entrego-te meus sonhos
empresta-me teus beijos
que os farei meus em
manso delírio, na chama
dos mais doces desejos.
Vem amor,
e me toma em tuas mãos
toca-me a pele e a boca
e te mostrarei, rouca, louca,
a liberdade dos amantes
que, amando, loucos são.
Saramar

Imagem: Abott Handersen Thayer

Sua boca

sua boca
de refúgio
e tentação
é o mais longo
labirinto,
vulcão.
sua boca é
calor e renda
suave pluma .
nela
me rendo
em perene
perdição.
Saramar

Imagem: Ossiane

CONJUGAÇÃO


Eu amo
Tu não amas
Vida
irregular.
Saramar

Imagem: José Luiz Garcez

INSÔNIA


Um cigarro
Um livro.
E a saudade
acesa
sob o lençol.
A noite é maior
que meu sono e
amanheço
antes do sol.
Saramar

Imagem: Daeni Pino

VINDA



Quando chegou
eu não sabia
que seria turbilhão
e terna ventura,
nem pensava
que trazia em sua
mão
ternura
desmedida.
Relâmpago distante
a clarear-me a vida.
Saramar
Imagem: Bill Brauer

INQUÉRITO

Em resposta ao inquérito da minha querida Daniela, tentei responder assim.
As expressões e palavras coloridas correspondem às perguntas.

De altura tenho medo,
a não ser daquelas
a que o meu amor me leva.
Minhas sandálias são pequenas e leves.
Há nelas uma flor, vermelha.
Tenho medo, tenho medos,
da escuridão que me cerca
das ruas desertas, da saudade
e da solidão.
Tenho tantos medos
e penso em não tê-los mais.
Por isso, me desmancho
e me reconstruo
com um único objetivo:
ter o meu amor comigo
em serena quietude.
Se com ele falasse,
diria desse amor e da espera.
Diria da saudade que tenho

da sua voz e carinhos lentos
que ele faz.
Não sei falar de amor, não sei.
As palavras se embaralham, tantas.
De mim, sei falar menos ainda.
E do meu corpo, só gosto dos
intocáveis desejos que me animam.
Meu corpo não é. Eu sou.
Mas com ele brigo e brinco
sem profaná-lo
com feias palavras ou gestos.
Ele, meu corpo, não é.
No entanto, carrega-me
e sofre as minhas dores.
Meu corpo sofre a solidão
e chora nas madrugadas
em cama sem lado, vazia.
Ao centro, ao lado, eu,
apenas eu em banhos de
penumbra, de sonhos
e fantasias.
Todos os dias.
Sou eu e ele, o meu amor.
Ele lá, eu aqui,
envolvo-me
como ele me envolveria
toalha quente,
beijo quente
e suas mãos douradas.
O que me provoca e carrega
minha alma, nuvem leve,
olhos de criança feliz são
as palavras de amor que ele me envia
em correio alado, em asa de ave e
que transformam meu dia
em parque de diversões,
em loja de bichos de pelúcia,
meus brinquedos preferidos.
Os dias são longos e claros
e se me perco nas horas,
encontro-me em minhas palavras
porque nelas acredito, são minhas,
são eu mesma.
Acredito em mim, nas pessoas
felizes e amo todas elas.
E se tempestades enfrento,
gosto delas também
porque mostram meu frágil ser
impedindo-me de me lançar
a façanhas, abismos e caminhos impossíveis.
Minha única aventura é escrever,
e então, sim,
corro riscos, esportista
e ando em fios, equilibrista na vida.
Este é o meu prazer e minha companhia
Assim, brinco e choro,
esqueço os mórbidos medos,
o escuro, as cobras e lagartos
que a vida insiste em dispor
em minhas esquinas.
Disfarço e refaço meu caminho
escondo-me do medo nos livros
escondo-me dos jornais, transformo
cicatrizes em flores, tatuagem amarela
de antigas dores.
Sim, há dores pelo que não fiz,
pela saudade das ilhas que não me
contiveram, da terra-mãe
que me chama interminavelmente.
A saudade dos lugares onde nunca estive
transforma tudo em noite e sonho,
mesmo tendo os bolsos vazios,
vazios de poder.
Ah! se eu tivesse poder de primeiro-ministro
traria para este lado do mar
o meu amor que tão longe está
e nenhum dinheiro do mundo
me interessaria mais.
Seria rica, nababo de amor.
E descobriria em lâmpadas
o sabor dos beijos
que
nunca provei, até morrer,
às 23h59
de um dia qualquer,
mas não sem antes, conceber
dele, o fruto do mais doce amor.
Saramar

CRIANÇA?


Criança?
Não sou.
esqueci meu riso
na boca da noite
espantei o fantasma
sob a cama e durmo
pesadamente.
O cansaço dos dias
hoje é meu colo e
a saudade do meu amor,
música de ninar
a mergulhar em sonhos
minha alma cansada.

Saramar

Imagem: Norberto Rosing