INVERSO



Meu amor?

é quimera
para enfeitar versos.
uma armadilha,
um amontoado
de sonhos
em palavras mal arranjadas.

o meu amor é corrente
de madrugadas lá fora
com poetas mortos e meus cães.

é uma névoa de sonhos,
fábulas e príncipes
e esse princípio de dor
que me ronda.

meu amor?
é o inverso da flor.

Saramar


Queridos, hoje há um pequeno poema lá no blog do Leo. Se quiser, lê-lo, ficarei muito feliz. Clique aqui.

AS FLORES QUE NÃO MAIS ME ENVIAS


de que me servem as flores
presas em seus casulos e seivas?
de quem servem se
secam em meu peito
as últimas esperanças
do teu amor morto?
e ainda assim eu te amo,
eu te amo, eu te amo...
como essas rosas
que não mais me envias
(para me dizer de tua saudade)
que insistentes, perfumam
minhas mãos vazias,
minhas costas frias.

por que não me deixa livre,
este perfume de ti?
Saramar

ESBOÇO


Mais não digo.
É por te amar, tão violenta,
que me calo.
O que percebes
é apenas o que a palavra inventa.
E a palavra, meu amor,
esse esboço mal arranjado
que te apresento,
é um risco, um fio
uma gota da tempestade
que me abrasa os seios,
à mera invenção de tua presença.

Meu silêncio arranha os dedos,
sangra a palavra e ainda assim,
nada pode, nada.

(
um dia, todas as palavras
do meu amor guardado,
vão se desatar
).
Saramar

Imagem: Matisse

DANÇA


no palco,
o amor dança.
Vermelho.

A cortina que o desvenda

cobre meus pés e a mímica que inventam,
de música que não é minha.
(terá sido?
será ido?)

Cuidei do amor
durante o ensaio.
sequei suas lágrimas,
refiz suas faces,
prendi as asas que usa (falsas),
soltei o cordão
livrando-o do chão.

O amor dança
e, de tão solto,
e da liberdade dos seus pés
na dança em que trama suas ilusões,
eu até creio, trânsfuga,
que um dia foi meu.
Saramar

Imagem: Gregório Gruber

SILÊNCIO


as gavetas, desarrumadas, derramam-se,
espalhando sentimentos pelos cantos.

é o meu amor, ali amontoado
sem encontrar as palavras,
asas de, ao ar, (e) levá-lo?

que dores aquelas que caem pesadamente
como um avião?
existem palavras fáceis
para que possa rasgá-las em mil pedaços?

as palavras não ditas se enlaçam
em manto de silêncio, áspero manto.

(
sobre minha mesa, um lápis
e a folha nua
).
Saramar

UM ANJO


Um anjo passou por mim,
tocou meu ombro com tépida ternura,
deixou um sopro em minha boca.
o eco de suas palavras repete:
acorda, acorda, acorda.

De onde veio, não sei,
de algum primitivo mundo,
do outro lado da vida,
onde as lágrimas são rios submersos,
de águas escuras
e a tristeza de todo dia
vem de um absurdo desejo de ser humano
e chorar como choramos.

Saramar

Imagem: Sigismund Goetze

O AMOR


um broto de água
sob a pedra,
olhos recém-abertos,
brota.
da pedra
é tanta a sede,
entretanto,
que mina,
mina d'água,
mina d'ouro
de sol,
de repente, lépida fonte
e seus verdes aninhados.
o mundo, os musgos,
as flores em seu mirar,
o leito,
o longo deitar-se
entre as margens do corpo.
o percurso,
a pausa na curva,
a água que escorre,
finalmente rio
passando, passando
minando...
gota d'água,
a pedra no peito,
lápide.
Saramar

Imagem: Chris Fordhan

LAMENTO


se soubesse como lhe dizer,
diria da madrugada,
estação onde o tempo,
esse voraz passageiro,
sempre faz sua parada.

se soubesse como lhe dizer,
diria do dia,
um tormento crescente,
a certeza da noite,
essa que nunca passa,
madrasta.

Quem dera pudesse,
em uma palavra lhe dizer,
do meu lamento a perturbar
as noites, a lua, a cidade.

Se pudesse,
eu diria,
saudade.
Saramar

À ESPERA


traz teu sol
e abro os olhos
como se fora flor
saindo do outono.

traz a música,
e invento a dança
a dúvida dos braços,
em infinito baile.

traz um dia
e faço uma vida
valsas, vaso repleto
do nosso amor.

Saramar

Imagem: Lisa Linch

A VOZ DA FLOR


Entende a linguagem da flor?
não a mensagem da cor,
mas as palavras que murmura,
ainda que a julgue muda,
as palavras que nascem
de algum vento levinho,
do vôo de um passarinho,
das asas de uma abelha, talvez?

É a linguagem da vida,
que a flor, pelo mundo espalha,
quase sem querer.
foi assim que a vida se fez.
é assim que a vida se faz,
da singeleza de uma flor,
de sua frágil beleza,
de sua coragem de ser,
entre tão imensos eventos
que na natureza se vê.

Homem, quem dera, fosse
tão frágil e tão sagaz
como sabe ser a flor,
e espalhasse a vida
e ainda mais: colorida,
pela ausência da dor.

Saramar

Imagem: S. G. Rose

SEM SABER


eu, que do amor,
quis a ternura,
não soube dizer,
nunca soube pedir.

por isso, vivo só de querer,
por isso, morro assim,
de amor, sem merecer.
Saramar

Imagem: Paula

MORTE


Na minha mudez,
naquilo que não lhe digo
moram, mudos
e morrem, os mundos.
e você nem se move.

Na minha mudez,
no que guardo calada,
moram o medo surdo
e a sede morta.
e nada se move.

Saramar


Hoje há um poemínimo lá no blog do Leo. Clique aqui para ler.

NAVEGANTE


nem queria tanto.
só teu cheiro de mar
e o sal de tua pele
em fogo dentro de mim.

nem queria mais
senão o vento,
teu hábito de passear
e a vida que habita
as curvas de tua mão.

nem queria nunca mais
teu pranto
teu jeito distante
de quem olha o mar
já pensando em voltar.
Saramar

ESQUECER


Enfim, esqueço.
deixo-me de languidez e desmaio
e caio da vida,
borboleta ferida de vôo breve.
enfim me deixo levar
pela precária necessidade
de aprender
a ler o mundo sem cor
e esse peso nos pés,
a falta do seu amor.

Saramar

Imagem: Willow

PERDÃO


perdão pelo contrangimento
desse amor persistente.
não queria, mas o que faço,
se em seus braços sonhei
o mais doce cansaço?
Saramar

Imagem: Klint

SAUDADE


sabe aquela saudade
que parece que vai matar?
amansou, tomou jeito,
anda aqui dentro quieta
espinho a me envenenar.

sabe aquela saudade
com jeito de furacão?
arrefeceu, é um vento
que espalha, sem piedade,

meus pedaços pelo chão.

sabe aquela saudade
que não vai nunca embora?
já quase não se percebe.
é lágrima transparente
é um frio, como se lá fora,
o mundo se cobrisse de neve.
Saramar

INÚTIL


o fogo,
o gozo,
meu gesto
de enfado
o lado sem cor
da parede
à espera
de algum sinal
de amor.
Saramar

Imagem: Laurie Lipton

CHEGADA


quase carícia de vento antes da chuva
foi assim que veio,
leve, alheio ao chão,
foi assim que veio.

um perfume de laranjeira,
atrás de alto muro
que deixa na boca
a saudade do para sempre perdido
foi assim que veio.

(
como é frio o chão
sem suas asas,
que me ensinaram a voar.
)

Saramar

Imagem: Elvira Amrhein


Hoje há um poema novo lá no lindo blog do Leo. Gostaria de ler?

VOCÊ


O que quero?
quero o seu amor
e, com ele, o mundo
que se abrirá, porta de deslumbramentos.

o que espero?
espero seus braços
e o vasto dos amores, o pleno,
tudo.

todo dia, tudo o de sempre
e você vermelho irrompendo entre
o monótono existir.

o que quero?
romeu e julieta
vivos, amantes
das mãos, dos olhos,
ascender em seu corpo, espiral,
raios e trovões na boca.

Saramar


Imagem: Salvador Dali

DO QUE SOU


do que sou
não posso dar notícia.
ainda revolvo gavetas
à busca de mim.
reviro álbuns,
lugar onde jazem
(quietos como mortos)
meus rostos
antigos, antigos.

do que sou
quase nada encontro...
um lampejo, um sapato,
alguns desejos,
antigos, antigos.

dos escritos, dos ditos
fragmentos sem fim
que dizem de mim,
das amarras,
dos mares incontornáveis,
dos portos que não alcancei.

do que sou
do tanto que amei,
há vestígios dos risos,
dos beijos, amigos.

e ainda assim,
em todas as caixas, nos livros,
nos cadernos em branco,
nos versos,
nas marcas de pranto...
há tanto adeus, tanto.

do que sou, ainda não sei.

Imagem: Lowther Steve

MEU ERRO


Penso que não te amo,
de vez em quando.
Meu canto mudo
e meu coração, esse insano,
revelam logo
que me iludo.

Saramar

Imagem: Alfred Gockel

NOITE


No mais profundo da noite,
atraída pelo papel leve, despido de versos
e o lápis sem sentido, bailarino sem música,
sonho o sonho acordado
de todas as madrugadas,
os pecados íntimos e solitários,
a lua,
busco palavras, pássaros ariscos.

Traem-me os sonhos, outros,
de noturnas carícias.
Trago de vinho em escuridão,
travo,
treva,
solidão.
Saramar

O ADEUS


O adeus irremediável,
que corta o coração
com a lâmina mais fatal
é aquele que se reafirma
no silêncio de todo dia.

O adeus enche o ar de silêncio
como a névoa mais fria.

Saramar

Imagem: Mico

DESOLAÇÃO


era ilusão, você disse
e a música me impediu de ouvir.
Agora, não olhe para trás,
é tudo desolação.
rasguei todas as cartas,
é morto o pássaro que me habitava.
o que pensa ser o sol
clareando o chão,
são os pedaços do vestido amarelo
que você gostava.

(rasguei o que tinha à mão).

Saramar

Imagem: Heinecke

SAL



De tanto percorrer tua pele
minhas mãos guardam
de ti, o lume do mar sob o sol.
se prová-las,
em carícia de alucinar,
nelas, irás encontrar
o sabor de teu sal.

Tanto em tua pele tento
desenhar meu desejo
que perco os limites do corpo,
não sei mais
se encontras minhas boca
ou se, assim desfeita, te beijo.
Saramar

Imagem: Klimt

CANSAÇO


Pesa-me o amor
nas palavras que escrevo,
nos sonhos que teço
sob o lume da solidão.

Pesa-me o amor desvalido,
o sem sentido da vida
na mais completa escuridão.

Quem vive sem seu amor
é farol desfacelado
que nunca mais alumia
o caminho do amado
de andar em qualquer hora
como se fosse sempre dia.

Pesa-me o amor por sua ausência
por nunca estar onde estou
por sempre ser uma miragem
nos caminhos por onde vou.
Saramar

Imagem: Constance Marie Charpentier