À ESPERA


Havia um piano e a música
sozinha e vertical escorria
em fragmentos fugindo do
barulho da rua.

Havia um brevíssimo espanto
na noite. A espera, a urgência
de amante e a surpresa da
chegada, há tanto, ânsia.

Havia o vinho em belo talhe
de cristal e os pêssegos
de doçura proposital
para aquele que, faminto, viria.

Viajante a sorver esses cuidados
com lábios e bocas e braços,
quase animal, de suspiros,
de precisos olhos de animal.

Havia a mesa posta onde
os pratos esperavam o calor
do alimento partilhado entre
beijos e garfos.

Havia o quarto onde o silêncio
aguardava as chamas que viriam
finalmente desfazê-lo em
risos, murmúrios e ais.

Havia um mundo recém-nascido
de ofertas e vontades.
Um mundo sem asperezas,
só segredos, imprudências e
circunstâncias, botões e rosa.

Havia amor, indisfarçável.

Ninguém nunca veio habitá-lo.
Só este silêncio e os desejos
soltos, perdidos neste canto
de solidões.
Saramar

Imagem: Ana Maria Russo

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