INVERNO


A palavra não encobre a alma fria
O verso busca a claridade em vão.
Na escuridão das dores, gela-se a
palma da mão e o peito se encolhe,
despido de carinhos e calor.

O sol lá fora não muda o cenário
das flores mofadas e dos cristais
que não mais rolam em meu rosto,
gélidos, continuam cortando em mim,
gumes da saudade e do desamor.

Não busco mais os seus lumes
e o vento levou suas labaredas
para outros corpos já quentes
deixando-me aqui, só e nua.

Quem sabe, voltará, verão da minha vida!
Primavera e coloridos dos dias e madrugadas!
Saramar

ANTES


Houve um tempo de felicidade.
Tempo em que acreditava ser possível
ter o amor de quem amo sustentando
nossas pontes tão frágeis.
Houve um tempo de esperança.
Tempo em que eu cuidava das flores e
cantava com elas, as canções mais felizes,
em mim algo de criança em manhã de natal.
Houve um tempo em que havia manhãs.
Despertar era véspera de viagem
para um dia grávido e pleno e encantado.
Houve um tempo de esperança.
Hoje, saudades.
Saramar

Imagem: Paulo Freitais

PEDIDO

Devolva o que me tomou
E levou em malas e adeus.
Traga de volta meus pedaços
Que cortou falando do seu querer
Ao final, enganação.
Devolva meu sorriso e meus sonhos
Perdidos em sua boca enganosa.
Traga de volta meus pecados
Que lhe entreguei sem pejo,
Porque pesa em mim a ausência
Desse seu mundo percorrido
Em galopes ora mansos, ora tontos.
Devolva minhas ilusões,
Flores nascidas desses sonhos
Que plantou todos os dias
Ao final, ervas daninhas.
Devolva minhas noites
E me permita adormecer
Como nunca mais depois
da constância dos seus lábios.
Devolva o que tomou.
Em troca lhe dou o meu amor
E esse desejo quente de beijar
Novamente sua boca mentirosa.
Saramar

Imagem: Washington Maguetas

VOCÊ


Sua voz, melodia do prazer.
Seu riso, vento da alegria.
Sua boca, fruto do desejo.
Sua mãos, águas da ânsia
de tê-lo inteiro e sem freios.

Saramar

Imagem: Rick M.

O QUE É O AMOR


estrelas na explosão inicial,
pião nas mãos de criança,
choro incontido e impotente
nas madrugadas ciumentas e
deslumbramento depois,
com os olhos da pessoa amada
se iluminando ao som de
uma canção qualquer.
desejos,
vontade de refazer o mundo,
saudade e esperança misturadas
em gestos e palavras que
dançam sobre o outro.
os sentidos se misturando
em curvas, em retas, em
infinitos côncavos de orvalho e mel.
e a suave dolência do gozo e do céu.
Saramar


Imagem: Ney Tait Frase

MUITAS VEZES CANTO


Muitas vezes canto, em outras, pranto.
Se há borboletas no corpo e luzes,
Canto e preparo o dia como festa.
Se adeuses me abrem o peito em dor,
Pranto, olhos afogados em lágrimas
Lembranças do tempo perdido e do
Amor que mal chegou e, fantasia foi.
Mas se um dia de verão ilumina meu canto,
O amor atraio e seu calor me toma.
Então, borboleta tonta de luz, outra vez
Me exponho à dor, à sombra e ao pranto.

Saramar

Namorado?


Não sei falar de namorados,
sonhos que são
De dias solitários
e noites mudas.
Só posso dizer do vinho
E de tanta carícia aqui guardados,
de ternuras sem dono e destino.
Procuro um namorado
Para tomar dos meus lábios
Os beijos e os ais desse
meu amor perdido.
Saramar

PORTA FECHADA


Limpei a pele
E troquei o batom.
Mesmo assim
Seu beijo foi de giz.

Abandonei o meio termo
E escrevi o meu amor em seus poros
Com longas e líquidas letras
E você, muro.

Virei carpideira e, insone,
Revirei suas palavras em busca
De alguma carícia perdida.
Encontrei ácidos e sal
Além de paralelas conjugações.

Ultimamente
Tranquei a porta e ando aflita
Em meus corredores,
Veias cheias
De suas lembranças.
Aqui, não entra mais.

Mas, há uma janela apenas meio cerrada
E voltei a usar o batom vermelho.

Saramar

CALOR


O sol estorricando flores lá fora.
Pássaros atentos ao nada, nos muros.
Aqui dentro, o calor entontece meus olhos
Não vejo nada, ardendo que vivo
No entreato dos meus desejos e dos seus.

Saramar

Imagem: Sergio Velho_Junior

DOMINGO


Hoje é domingo.
É dia de solidões
para quem nada é
e nada tem.
Dia de travo,
de sentir a mais
funda certeza
de não ser alguém
pra ninguém.
Saramar

LÁGRIMA


desenhos
dunas
maresia
neste meu rosto.
Saramar

Imagem: da Vinci

HOMEM


Ser caído
Desde sempre expulso de si mesmo,
Levado ao seu inferno para sempre,
Perdeu a luz.
Fez-se fera, fez-se monstro.
Arrasta-se solitário pela
Desolação dos seus erros,
Construindo ilusões da grandeza perdida
Sem poder retomar sua beleza cósmica.
Olha as estrelas e
Arrasta-se no chão de
Suas imperfeições.
Pedaços de sua divindade
De que foi se despindo
O assombram e excitam.
Inutilmente!
Não há redenção
Para quem alimenta o monstro
E fere e mata e desfaz.
Reflete em tudo, a sua queda.
Irremisso, busca o princípio
De si, destruindo-se.
Repele a fera em si,
Enquanto a alimenta
E se faz seu súdito.
Dilacera-se, dúbio ser
Pobre, triste e só.
Saramar

Imagem: Henry John Stock