AMANHÃ


Amanhã, vou mudar o rumo,
das lágrimas, cansada.
Amanhã, abro a arca,
largo as pedras, ergo os olhos.
Amanhã, desde cedo girassol,
giro o mundo.
Amanhã desfaço o prumo
da certeza.
Não me aprisionará
com o medo, com o certo.
e tonta e tanta
pensarei em borboletas,
Amanhã, vou voar.
Saramar

SILÊNCIO


Da saudade já disse
e da boca nua e fria
de desolação.
Adormeço as palavras na pele
na mudez de todo dia.
O silêncio espanta o sono
guardado no verbo insensato
de quem ama o desvario,
de quem planta o pranto.
Já mais não falo
meu silêncio agoniado
dói nos olhos da noite.
Insone sigo
olhando a dor por dentro.
Saramar

DESUMANIDADE


Em algum lugar morto
jaz uma boneca sem dono
Seus olhos incapazes de chorar
brilham sobre o tapete
em incompreendida solidão,
órfã de eterna infante.
Nunca mais mirará
os olhos de cuidado e deleite
que brilhavam como os seus
no entanto diferentes.
Hoje, todos os olhos são inúteis
e não haverá nenhum balão
de feliz aniversário.
Saramar

Imagem: Vivi Tesche (Flick)

SOLIDÃO


Sozinha
a mesa posta
e o vinho
as flores vesgas
de mirar a janela.
Sozinha com minha esperança
de que o mundo vire
e o mar recolha suas águas
algum milagre pequeno
que desperte
o que não passa, não passou.

só tristeza,
o cristal marcado de batom,
a boca de ninguém.
Solidão.
Saramar

Hoje também estou aqui.

DAS SOMBRAS QUE ELE DEIXOU


Na passagem das horas,
o tempo de frio e sombra
zomba dos medos que guardei
sob o sorriso torto de quem finge.
já nunca amanhece, perdi as auroras.
o pulso da hora, a galope, foge
levando o amor indiferente,
deixando a murcha vida
e pobre e nua.

Mesmo neste desalento,
sob o peso do tempo que tinge o amor
com o branco do esquecimento,
fecha-me a garganta, o coração
em desnoteio,
como se ouvisse a voz de quem partiu
encerrando a noite que deixou.

Breve sonho
engano de quem ficou.

Saramar

Imagem: Kevin Rolly

DO MEU AMOR


O que guardo do meu amor
é alguma longínqua sonata
da cor da noite
os silêncios cálidos
a fúria
o fogo.
Trago, ávida, o beijo
do meu amor
sua voz, as manhãs de miragens,
e o orvalho dele,
abrindo em mim aromas
de flor.

(tudo era sonho e minha agonia).

Saramar

Imagem: Klint

Amantes de outonos ou dos pedidos ao tempo


É de outonos que me disfarço,
vento na manhã,
o tempo violando cortinas,
passos tangidos na premência de ser já primavera
colorindo estes muros mortos de sono.

Nas calçadas inelutáveis dos dias,
ao som dos saltos e do gemido das folhas,
o vento se despedindo do que fora árvore
sonho o destino dos pássaros, alto,
de caminhar entre o vento.
(e chegar, enfim, aos teus braços).

Nos outonos de que me visto,
nunca te esqueço e, como pedes,
peço ao tempo as horas maiores
de voltear em teus braços
frágil fêmea em flerte,
nas mais tontas danças,
o vento voluteando-nos.

Eu peço ao tempo, o maior do dia
a hora mansa e quente
os chãos de amar
em cores de amantes,
semelhantes, todos semelhantes
no querer.
peço ao tempo, o tempo de te encontrar.

Saramar

Imagem: Bouquereau

Também estou aqui.