DEPOIS


cansada e nua
despeço-me à porta,
da noite, de ti, da lua.
banhada de sua ternura
e saciada, durmo,
enquanto o sol,
invejoso do lume
que em meu corpo deixaste,
arde sobre as flores que trouxeste.
Saramar


Hoje estou também aqui.

BREVE SONHO


foi tão breve o sonho,
se fosse pesadelo, duraria.
o amor em sua cegueira,
que dizem proposital,
passa assim como os sonhos,
breve vento mortal.
e deixa tudo mexido,
tudo fora do lugar
deixa também o gemido
da dor de não mais ser
deixa tudo revolvido,
leva a vontade de viver.
o amor não devia
fazer a gente sonhar
para depois ir embora
quando um sol, parecia
de tanto que alumiava,
mas na verdade cegava.
todo mundo bem que dizia,
mas eu, cega como estava
nada via, só sonhava.
e quando dei por mim,
novamente anoitecia.
Saramar

Imagem: Yuri Bond

VIVER?


senda, sonho, trilho?
silencio, não sei

sanha, choro, rogo?
cicio, talvez.

soma, sina, sono?
afirmo, é isso.

será?

Saramar

DESENCONTRO




a um passo de vê-lo,
esqueço o enredo
e passo como se fosse você,
o manequim
e o amor que tento,
o olho dele,
morto.

Saramar

Imagem: Nicoleta

À SUA PROCURA

Hoje posso dizer como o Poeta
que mil vezes finjo vê-lo e só a
sombra me faz companhia.
Entretanto, sonho e assim
eu o tenho, próximo a mim.
Busco-o com meu olhar na
paisagem vazia.
Nada, nada o traz, nem este
lamento de amor, nem
a tristeza de minhas mãos
frias a tentar um toque, uma
só carícia que me nutrirá
a vida inteira.
Indago as sombras, aborreço os dias
à sua procura e, desta maneira,
imagino- o aqui, sinfonia em flores.
Até nas aves o vejo.
Mas são sombras,
são dores e a distância que,
ao final de tantos malogros,
ao ensejo das horas cruas, finalmente
me dirão que aqui, ainda não está
.
Saramar

Imagem: Willow

MURALHA



Mar,
muralha
a nos separar
sem porto, sem cais
o mar anda por lá.
aqui é água lenta
de pântano escuro
e seus monstros
que à luz do dia
não se mostram jamais:
a saudade, sombra no peito,
o vinho que amarga a boca
e uma melancolia,
liame nos pés, no fundo.
Quanto mais o quero perto
mais a muralha se adensa.
À noite minhas mãos frágeis
mergulham em mim,
em lembranças quebradas,
e sei assim,
pelo gelo que encontram,
que se distancia cada vez mais.
Saramar

ESPERA


não sei mais o que sinto,
por tantos rumos o amor me leva.
não sei se morro de dor
ou se me embriago de amanhãs.
(lembrança das horas que vivo.)
se insisto e levo meu barco de papel,
perdido também,
entre o frio beijo e o silêncio.
é a ilusão que procura trilhas,
um sinal, uma seta.
é a manhã que chega depois de mim
para anunciar o dia, insone que vivo,
de tanta espera.
Saramar

Imagem: Cristina Becejski

CÍRCULO


foste hábil
para criar álibis
de me deixar.
ando agora
na frieza dos mármores
sobre meus sonhos inúteis
em círculos,
só.
Saramar

Imagem: Carole Bécam

Convido-os a ler outro poema
aqui.

DESALENTO


quanto vão pode haver
entre as palavras com que tento
falar do meu desalento
e o que, em vão, invento

para esquecer?

um mundo, um vento que tange as cores
do camaleão do meu intento de me esconder?

(em vão)

o que pode haver?
Saramar

Imagem: Cartro Pedra

MOMENTO


há momentos em que o amor não basta
e a solidão é uma mordaça,
dá vontade de se cortar
e virar um galho de flor
morto e bonito,
cercado de vidro e riso.
e virar uma flor bonita
enfeitando olhos de longe
e o perfume de flor morta,
e a cor morta.
há momentos de me matar.
e aparecer depois da porta
linda e fria,
com o brilho de cacos
no corpo.

Saramar

Imagem: Ian Winstanley

LEVE A DOR


À dor, não cabe prisão.
Antes, há que soltá-la, em uivos de cão
ou canto, em levas,
pra longe do coração.
Há que confrontá-la com a beleza das ruas,
com os olhos do moço que passa,
com a primavera rolando pela calçada
em perfumada conversa com as pedras.

À dor, abra as portas
e, com seu mais lindo batom e as pernas nuas,
leve-a em trottoir pelas ruas
sempre um passo além... da dor.
Assim, ao erguer o olhar,
por trás de tão linda boca,
ela não reconhecerá
a angústia que habitava,
a cordial morada, antes sua.

E irá se perdendo... a dor.
A dor irá se perdendo
nas ruas por onde for,
você e suas pernas nuas.

(para duas ou três poetas
que trancaram a dor,
entre elas, eu)

Saramar

INSENSATEZ


Não fosse o amor essa insensatez
e o desatar de dias em ilusão,
não fosse essa paixão
que desnorteia a boca,
e me põe a rasgar as palavras,
qual cortinas,
enquanto me dispo.
Não fosse esse tanto de loucura
que minhas mãos pressentem
no seu corpo que desejo.
Não fosse a luz e a sombra
com que me tortura
e essa fome de beijos
com que amanheço.
Não fosse a palavra mais doce
que em fuga, me diz...
eu poderia esquecer tudo
e fingir que sou feliz.
Saramar

Imagem: Ladmore

A COR DO TEMPO


Porque o tempo,
indiferente pintor,
substitui a dor por uma ilusão qualquer.
O tempo é uma mulher e seus vestidos
hoje preto,
azul amanhã
e o vermelho de alguma paixão.
Entretanto,
ao final de tudo que é sentido,
O tempo é branco,
leva consigo toda cor e
carrega para longe a dor.
Saramar

Imagem: Roman Path

CAMINHO


Vem,
ensina minha mão a encontrar
o rumo,
o movimento,
o porto
para que ela saiba se perder
nos líquidos caminhos do teu corpo.

Saramar