VAZIO


A neve já cobre as uvas
para o natal dos úteis e puros.
As luzes já cobrem máscaras.
Todos são anjos.
A árvore já grávida,
abarca o berço vazio.
Onde era luz,
laços e brilhos
de presentes luzidios.
Em azáfama de vazios,
jaz a natividade.
Saramar

DE TUDO, O FIM


Meu amor,
vivo desarrumada,
sem verso, sem fala,
distante de ti.
Mas que importa este lamento
se sou eu quem me desterro e morro,
e corro entre os ventos
na louca procura dos dias de amor
e de sonhos rotos, findos, mortos?

Saramar

TEIMOSA PRIMAVERA


Importa que nasça a flor
e sobre ela,
outras vidas,
em asas de dança,
encenem a colorida valsa
que, sapiens,
esquecemos de trançar.

Importa que venha a chuva,
e viajem as águas
sobre o rumo que traçam
a cada líquido passo.

Importa ainda o amor
e suas flores, suas águas
seus ridículos e rosas e doces tecidos
que teimam em ser,
queimando o ser
a cada primavera.
Saramar

Imagem: Renoir

(A) MAR


Naufrago.
Nos lábios,
uma palavra queima,
acende o líquido reflexo
que me abarca o corpo.

O tempo, coral sem cor
onde ecoa e teima, a palavra.

O tempo detém o passo,
o líquido traço?
Não.

Morro.
Nos lábios,
teu nome.
Saramar

Imagem: Shark

O QUE TE LEVOU DE MIM?


É medo, é pejo
ou acabou o desejo
do ermo noturno
dos beijos?

É medo, é dor
que entranha nos eixos
do dia
ou foi bom e adeus?

É medo da dor,
prima-irmã desse anseio
de tomar a pele do outro
que chamamos amor?

É medo?
Saramar


Imagem: Clive Mealey

CARNAVAL


Passeio entre felizes foliões.
A festa despencou pelas ruas, chuva de confetes.
Máscaras não mais se usam,
só a da alegria, em todas as faces, pregada.
Suor colorido de músicas, um choque,
um tremor nessas ruas molhadas.
Beijos escorregam por todos os lados,
lascivos,
de línguas, bocas, pernas.
Procuro rostos, olhos... nada.
É carnaval.
Também fui,
trocando ilusões e lençóis engomados
por tiras coloridas e seu brilho de enganar.
Árvore,
de outra pele me vesti
e a primavera confunde as estações e os sons.
Estou indo esquecer
que a felicidade é um confete no asfalto.

Imagem: Picasso