O EFÊMERO


Vesti-me de fantasias,
Arco-íris carregado de luzes,
E saí à rua levando
Minhas dores para brincar.
Cantei com os palhaços mais trêfegos.
Gargalhadas se perdiam em todas as bocas
Beijos passavam em mim
Como aragens, quase ventos.
A noite ia e vinha, no compasso
De danças, gritos, sustos molhados
Dos brinquedos pagãos.
O tempo, o tempo, o tempo
Colorido ria comigo e com os arlequins,
Até que veio o sol arrastando a manhã
Renitente e cansada e minhas dores
Também me arrastaram de volta
Para a escuridão.
Saramar


Imagem: Carnival, de Miró

VENCIDA


Falei de amor demasiadamente.
Agora me calo.
Busquei o amor com exageros de fábula
e agora meu coração adoeceu.
Vou repousar meus sonhos.
A lareira está fria e morta
e não há pássaros para
acordar o sol amanhã.
Na primavera, talvez.
Talvez em outra vida.
Ah! esse eterno sonhar.
Saramar

VÂNDALO


Chega!
Vou rasgar o verbo, o verso, a cara.
Não entende nada?
Não vê o bulício em meu sangue?
É hora de lançar em você
e ao vento e ao mar
as memórias que deitou em meu corpo,
douradas, elas. Ele, pleno.
Passageiro ocasional,
tomou meus prazeres, mordeu minha carne,
desarrumou-me, e a cama e a alma.
E partiu, deixando minhas
pernas tontas de saudade.
Nas calçadas que pisamos juntos,
Como um fantasma, passa por mim.
Vândalo, cego, fingindo não ver
a fome atroz que carrego.
Saramar

Foto: Ornella Hermínio

CONVITE DE MOMO


Brinque, brinque comigo
Deixe a dor guardada no armário
e pegue uma fantasia qualquer.
Quem sabe de flor, talvez de feliz.
Nestes dias, todos a amam
e sorriem, pele com sua pele.
Venha, confunda sua solidão
entre as serpentinas
e talvez nunca mais a encontre,
perdida que ficará em
outro coração qualquer,
em ladeiras súbitas e tristes.
Esqueça os amores miseráveis
apenas nestes dias e brinque
com arlequins desatinados.
Sorria com os faunos, que eles
a orvalham com a música dos ais.
Danças e doces prazeres
prometo para animar sua dor.
Apenas nesses dias.
Saramar


Imagem: Roberto Guardi

METADE DE MIM


Uma parte de mim te detesta.
A outra,
Odeia detestar você.
Porque uma parte de mim não aceita sofrer,
não entende a distância,
não compreende o silêncio do quarto.
A outra,
Sonha com o silêncio do ato,
do desespero e da ânsia,
da procura dos corpos.

Uma parte de mim te detesta.
A outra,
Não aceita detestar você.
Porque uma parte de mim
não aceita essa ida sem volta,
a despedida que não houve,
o fechar de uma porta,
um adeus calado e chorado que nunca existiu.
A outra,
Sente no gosto,
o gosto do teu cheiro,
o cheiro do teu gozo,
a volúpia de um prazer que vivi.

Uma parte de mim te detesta.
A outra,
Detesta te detestar.
Por que uma parte menino de mim,
anda pelos cantos a chorar,
faz de maldizer a tua ida,
e te culpa pela dor que teima se abrigar.
A outra,
ainda ouve a tua voz no sussurro do vento,
ainda sente o teu perfume nas pétalas de uma flor
ainda persegue o relógio pro tempo parar,
se põe na janela a espreitar a rua
na esperança de te ver chegar.

Uma parte de mim te detesta.
A outra,
chora por te detestar.
Porque uma parte de mim
ainda te vive e revive a cada momento,
ainda te dedica os pensamentos,
ainda sente o arrepio dos pelos,
os sussurros das promessas.
A outra,
Não vai se cansar de esperar,
de te querer, te desejar,
de despertar entre o desalinho dos lençóis.

Uma parte de mim te detesta.
A outra,
detesta detestar você.
Porque uma parte de mim
ainda é só saudade.
A outra,
é amor por você.
Nino

Imagem: Jodi Cobb

DESCAMINHO


Sai a me buscar por caminhos que já tracei.
Não espere crepúsculos e penumbras.
Rasgua as cortinas e minhas sendas onde
Ternuras e urgências aguardam tua colheita.
Minhas mãos vagam saudosas em torno de mim.
Buscam teus desejos.
Meus olhos escrevem as placas indicativas
da estrada que te conduzirão a mim.
Vem logo, vem rápido porque ouço em volta
portas e janelas sendo abertas de felicidade,
à tua chegada.
Borboletas te aguardam, de todas as cores,
em meu jardim, para colorir teus olhos.
Vem agora
porque te amo.
Saramar

DANÇA

Bocas
Dentes
Risos
Mimos
Risos
Dentes
Rios
Pontes
Beijos.
Saramar
Foto: Paulo Medeiros

BILHETE


Meu amor,
o sol me acordou gritando ali na janela.
e as sombras do meu leito vazio

nem perceberam.
Em represália, vesti-me de Miró
e fui em busca da luz do seu riso.
Agora, não há cores nem luz.
O importuno se vai
e de você, nem um risco.
Saramar


Imagem: Gonçalo Caiola

TE DEVORO




Teus sinais me confundem da cabeça aos pés
Mas por dentro eu te devoro
Teu olhar não me diz exato quem tu és
Mesmo assim eu te devoro, te devoraria...
A qualquer preço porque te ignoro ou te conheço
quando chove ou quando faz frio
Noutro plano te devoraria tal Caetano
A Leonardo di Caprio
é um milagre...
Tudo que Deus criou pensando em você
Fez a Via-Láctea, fez os dinossauros
Sem pensar em nada fez a minha vida e te deu
Sem contar os dias que me faz morrer
Sem saber de ti jogado à solidão
Mas se quer saber se eu quero outra vida... Não...não
Eu quero mesmo é viver, pra esperar, esperar...
devorar você
Djavan
Imagem: Adriana Brier

DOR


Haverá esperança para aqueles que
choram sozinhos na madrugada?

As cortinas em sua dança leve
são como os pensamentos tristes.
O silêncio, quase sempre amigo,
é companheiro de dores, reforça o só-ser.
Comigo, cães igualmente tristes
lamentam na madrugada, coro de sozinhos.
O livro aberto eternamente naquela página
que não ouso virar porque a saudade
é uma companheira agradável e calma,

muitas vezes. Em outras, uiva, lupina.
Meus olhos abertos, na madrugada,
procuram o que não mais será,
o que não mais virá e encontram a penumbra
do meu coração solitário e amante.
Sombras, só há sombras.
A cama, triste no final do baile,
esquecida e vazia no canto mais claro,
pede minha companhia e me envolvo
no último lençol que foi feliz.
Há um perfume,
uma fragância de dor para os meus sentidos.
Ainda há um pouco do seu perfume,
tênue na madrugada.
Está indo lentamente de mim,
assim como voce se foi,
saindo, saindo, saindo sempre.
Saindo para sempre.
Saramar

O INFERNO DE AMAR


Fogueiras de paixão,
Tridentes da distância
Lavas de desejos
Abismos de saudades
Desertos da solidão
Águas obscuras da insegurança
Demônios do ciúme.
O amor é um inferno.
É o próprio inferno.
Não importa.
Ainda assim, amo.
Saramar
Imagem: Jaime Amilcar

O TEU RISO


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar,
mas não me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe o céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.


À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
Pablo Neruda

Imagem: Georgia O'keeffe