PEDIDO


Vem, ano novo
vem me fazer mais feliz,
vem trazer meus amores,
vem arrancar esses trapos
e livrar meu corpo das
antigas dores.
Traz quem me ama com
a champanhe e os beijos.
Preciso de ambos para
inebriar minha vida e
aquecer meu sangue.
Vem, ano novo
desmanchar minhas vãs
vaidades e livrar-me
das tolices.
Deixa alguns sonhos, porém.
Preciso deles para contemplar
a vida e seguir feliz.
Vem, ano novo
desperta minha alma
para o novo, para o que chega.
Torna melhor minha alma,
preciso dela para olhar
à minha volta e
enxergar os outros.
Vem, ano novo
fortalece meu corpo,
adorna-o com os desejos
em olhos que não são meus,
preciso deles para ser feliz.
Vem, ano novo.
Saramar

O RIO E A VIDA


A vida é um rio caudaloso com pedras soltas,
pedras presas, curvas e reentrâncias.
Como o rio, aprendemos a saltar obstáculos,
contornar acidentes e nos espraiar nos
terrenos plácidos da tranquilidade.
Há momentos de queda abrupta em que
as águas se despejam com
como enfrentamos quedas que
nos machucam por dentro e por fora.
E vamos indo. Como o rio, vamos indo.
Por vezes, invadindo as margens,
derrubando construções antigas,
revolvendo raízes apodrecidas
para renovar a terra e a vida.
Indo, indo até nos diluírmos
no mar imensurável do cosmo.
Saramar

PRESENTE


O amor é um presente de natal.
Chega embrulhado com o papel vermelho
da paixão e os laços da sedução,
dentro de uma caixa, adornada com
palavras de carinho, carícias,
beijos inebriantes.
Aos poucos, vamos desembrulhando.
E o que surge por baixo de todas os
prazeres pode ser uma história de
inefáveis delícias ou um conto de terror.
Um mar de contentamento
ou de lágrimas.
Saramar

FELIZ NATAL

MARAVILHA


Maravilha
Ilha de luz
Quero tua cor mulata
A tua verde mata
Os teus mares azuis
Maravilha
Também quero o teu bagaço
A força do teu braço
O afago dos teus calos
Quero teus regalos
Encharcados de suor
Antilha
Ilha de amor
Jura que a felicidade
É mais que uma vontade
É mais que uma quimera
Ai, eu quero uma lembrança
Eu quero uma esperança
A tua primavera
Ai, eu quero um teu pedaço
Entorna o teu melaço
Sobre a minha terra.
Chico Buarque

FESTA


Busquem nos becos, os bêbados adormecidos.
Desatem os loucos de suas mordaças sanitárias.
Abracem e tragam no colo as putas das esquinas noturnas.
Troquem as roupas brancas e frias dos doentes nos hospitais.
Dêem o braço para os homossexuais enganados, amantes maltratados.
Façam um ninho de flores e nele transportem as crianças das ruas.
Tirem dos asilos os velhos abandonados, famintos e maltratados.
Peguem nas mãos os travestis tristes e borrados sob a chuva da ignorância.
Procurem as bailarinas dos cabarés pobres com uma túnica de compaixão.
Beijem as mãos e conduzam as mulheres feias, melancólicas, desamadas.
Busquem os solitários, os presos em seus terrores, os faroleiros.
Resgatem da escuridão os que sofrem por amor e choram sozinhos.
Encontrem as viúvas e as mães que perderam seus filhos.
Retirem da guerra os soldados, os rotos, saudosos, sozinhos.
Venham com as mulheres solitárias, sozinhas ou não.
Busquem os pecadores, os sem juízo, os amantes clandestinos
Carreguem em seus braços os cães abandonados
E os cavalos cansados do trabalho.
Vamos juntos à festa. É Natal!
Jesus renasce e nos chama para a festa do amor,
único presente que Ele almeja ganhar
para entregar novamente a nós, seus frágeis filhos.

Saramar

VIDA E POESIA


A lua projetava o seu perfil azul
Sobre os velhos arabescos das flores calmas
A pequena varanda era como o ninho futuro
E as ramadas escorriam gotas que não havia.
Na rua ignorada anjos brincavam de roda...
Ninguém sabia, mas nós estávamos ali.
Só os perfumes teciam a renda da tristeza
Porque as corolas eram alegres como frutos
E uma inocente pintura brotava do desenho das cores
Eu me pus a sonhar o poema da hora.
E, talvez ao olhar meu rosto exasperado
Pela ânsia de te ter tão vagamente amiga
Talvez ao pressentir na carne misteriosa
A germinação estranha do meu indizível apelo
Ouvi bruscamente a claridade do teu riso
Num gorjeio de gorgulhos de água enluarada.
E ele era tão belo, tão mais belo do que a noite
Tão mais doce que o mel dourado dos teus olhos
Que ao vê-lo trilar sobre os teus dentes como um címbalo
E se escorrer sobre os teus lábios como um suco
E marulhar entre os teus seios como uma onda
Eu chorei docemente na concha de minhas mãos vazias
De que me tivesses possuído antes do amor.
Vinícius de Moraes

ORAÇÃO DE NATAL


Menino-Deus,
Eis-me aqui em sua manjedoura.
Olha para sua filha, ouve minha prece.
Criança abençoada, peço por outras crianças.
Menino Jesus, no teu aniversário, refaz o
milagre da distribuição do pão do amor.
Porque os homens se esquecem que também
são capazes de realizar esse milagre que ensinaste.
Reaviva, Menino, no coração dos homens
a compaixão e o amor para que eles cuidem
das crianças do mundo,
que sejam alimentadas,
que não sofram nem chorem.
Menino Jesus, toma em tuas mãos abençadas,
as crianças. Livra-as da guerra, da fome, da morte
antecipada, da morte em vida e da dor que não podem
compreender nem deveriam sentir.
Menino, que és, coloca no rosto das outras
crianças, o sorriso, o amor e a segurança.
E, em suas bocas, a comida e a irreverência.
Obrigada, Menino-Deus.
Saramar
Ilustração: "Crianças", de Maria Celeste Carvalho Neves

CARTÃO DE NATAL


Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de vôo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:

que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.
João Cabral de Melo Neto

RETORNO


Você veio, amor e me encontrou
tranquila, as dores trancadas em
desvãos esquecidos e as pernas
cansadas de andar à procura
de amores perdidos e inúteis
porque não eram meus.
Veio e trouxe nos lábios nomes
marcados de paixão e no corpo,
mãos, infinitas mãos
que não são minhas.
Chegou usando subterfúgios
para me roubar novamente a paz
e me levar por escadas,
degraus que elevam meus sentidos
naquela ciranda de desejos,
beijos interrogando meu corpo
que, ainda sendo meu, inicia a
viagem para voltar a ser seu.
Saramar

AUSÊNCIA


Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
Sophia de Mello Breyner Andresen

PASSADO


Em uma gaveta qualquer,
encontrei palavras antigas.
Eram palavras ansiosas e foram
palavras esperadas, colhidas da paixão,
embaladas em sonhos de amor.
Hoje dormem o sono de todo amor.
Ao vê-las assim tão tranquilas,
Ao lê-las assim tão quietas,
a recordação das vertigens
que guardam em segredo e das
lavas que derramavam
quase nada desperta.
Quem sabe uma leve brisa a
revolver cinzas, talvez uma aragem
de melancolia de doces momentos
trancados em alguma veia deste
meu corpo esquecido.
Saramar

O AMOR É VELHO-MENINA


O amor é velho, velho, velho e menina.
O amor é trilha de lençóis e culpa
medo e maravilha.
O tempo a vida lida
andam pelo chão,
o amor aeroplanos
O amor zomba dos anos,
o amor anda nos tangos,
no rastro dos ciganos,
no vão dos oceanos.
O amor é poço onde se despejam
lixo e brilhantes:
orações, sacrifícios, traições.
Tom Zé

O AMOR


Um raio de sol após a chuva
Gotas de água em árido chão
Sementes escondidas na terra
que de repente se abrem,
prenhes de vida.

Um livro novo do autor mais querido
Botões de rosa caprichosos
retardando o desabrochar
Arco-íris brincando de
esconde-esconde com as nuvens.

Pequenina criança que causa espanto
que chora e ri e dói nas noites sonolentas
Jardim que não escolhe local
para abrir-se em beleza e vida
e morre como começou.

Uma dança que se dança junto
em muitas horas de encanto,
e também se dança só,
tendo apenas a melancolia
como música.

Assim é o amor, doce
e cruel companheiro,
em nossas vidas sempre
pousando e indo embora.
Às vezes, tão leve, mas
constantemente avassalador.
Saramar

ADEUS


Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou se preferes, a minha boca nos teus olhos,
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve, e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde o teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens,
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.

Eugénio de Andrade
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IMPOSSIBILIDADES


Perdão, amado.
Nada fiz do que me pediu.
Esquecer seus beijos?
Não consegui.
Lavar minha alma com lágrimas
e deixá-la nua, como antes?
Foi impossível.
Apagar as palavras de amor
murmuradas em fantasias?
Jamais poderia.
Busco em mim pretextos para
satisfazer seu desejo
e apagar da minha boca seus
beijos cheios de orvalho.
Não os encontro.
Tento nada ouvir e os sons
do mundo se apagam.
Só sua voz encanta os
meus sentidos.
Perdão, não pude atender
seu pedido.
Não posso esquecê-lo.
Saramar

POEMA DA GARE DE ASTAPOVO


O velho Leon Tolstoi
Fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na Gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tão sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso,
O grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz:
ele fugiu... Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
Mario Quintana

INCOMPLETUDE


Quando ele chegou, trouxe o amor nos gestos,
música nos lábios e uma doçura que dançava
em meu corpo, raios tempestuosos de prazer.
Muros ruíam em mim ao sabor do seu olhar.
Lemos sussurros de amor com lábios colados,
enquanto impressões de plenitude lavavam
nossos corpos, fonte e cálice dos sentidos.
Cantamos o amor, dançamos o amor e, ainda assim,
o desnudamento dos sonhos comuns nos levava a
outros mundos, outras e novas e mais outras sensações.
O mundo se inverteu, translacionando à nossa volta
e nada víamos, a não ser um ao outro.
Por fim, a natureza, invejosa da ventura do nosso ser,
do nosso continuar translúcido, retirou sua luz de nossos
olhos e levou a doçura e apagou a música em nossos lábios.
Nada deixou. Só a incompletude.
Saramar

PAUSA NA POESIA

Uma pausa para conversar com meus amigos
queridos que não estão me vendo
(ao estilo da Bloody Mary)


Zorro Tonto,
Star,
Terragel,
Lata Mágica,

Moderado,
Santa,
Jôka,
Lia,

LCMarques,
Staciarinni,
Hannah,
Jean,

Silvio Vasconcellos
e o Spersivo que teve a gentileza de tirar as letrinhas para que eu possa comentar.

Ai, meu Deus, quem será que eu esqueci??

Estou com problemas no micro e não consigo comentar nos blogs com letras de verificação.
Ou letrinhas, como você diz, Zorro, meu poeta escondido por trás das músicas.

Porém, estou lendo todos, como faço todos os dias..e fico doente por não poder comentar
Aqueles que têm o e-mail no perfil, eu consegui avisar. Para aqueles que não informaram o email, estou falando agora.
Então se alguém quiser que eu mande os comentários por email é só me mandar uma mensagem no meu email :
saramar104@yahoo.com.br.

Espero que na próxima semana, tudo esteja resolvido.

Beijos para todos

Saramar

SE EU FOSSE APENAS


Se eu fosse apenas uma rosa
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!

Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo minha vida!

Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
- de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...
Cecília Meireles

SÚPLICA DE AMOR


Ouve o meu lamento, amor.
Ouve o silêncio que me cerca.
Ouve o ruído das minhas mãos cansadas
de buscar inutilmente tua pele, tuas mãos.

Vem, amor, vem sentir no meu peito
um vaso inútil e vazio, cheio apenas das
dores do meu coração exausto de
tua ausência.

Vem de volta, com novas estrelas, aquelas
que prometeste colocar nos meus olhos,
luzeiros perenes do nosso amor para sempre
e que se apagaram de súbito quando saíste.

Vem, trocar os teus sentidos com os meus
como naquelas penumbras lentas, onde nos
perdíamos em alma e carne, livremente pecadores
no nosso amor menino, carrossel de delírios.

Saramar

CANÇÃO PARA UMA VALSA LENTA


Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...
Minha vida não foi um romance...
Minha vida passou por passar.
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.
Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!
Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...

Mario Quintana

SONHOS DE AMOR


Meus sonhos, entreguei-os todos
em mãos benfazejas.
Tornei-me lúcida e real nessas mãos
que me conduziram, ora aos céus,
ora à indeléveis delícias.
Fui com meu amor, olhos abertos,
construindo caminhos de paixão,
abrindo sendas com sonhos perfeitos
e coloridos.
Troquei beijos e sonhos coloridos.
Mas, "...o tempo passou de repente..."
como disse o Chico.
Os beijos hoje são lágrimas .
Os sonhos, ah! esses...
Tomei todos de volta...são meus.
Bailam à minha volta como
aquelas florezinhas do campo
levadas pela mínima brisa.
Saramar

ANSEIOS


Sinto na boca
O gosto do teu gozo.
Gotas ardentes,
néctar do desejo,
tu, em brasa.

És farol
deste navegador audaz.
Nasce de ti um facho,
guia-me essa luz
no oceano dos anseios.

É assim que é,
liames e enleios.
Teu fogo me conduz
ao buscado porto do
meu próprio êxtase.
Paulo Renato Rodrigues

GALO DA MADRUGADA



Para quem conhece o Recife o carnaval é um momento de união entre as pessoas, pobres e ricos, negros e brancos, todas as raças brincam no tom da mesma musica. Milhares de foliões querendo curtir aqueles momentos de alegria e “surto de identidade”, estávamos nós, odilene e eu willam, com latas na mão para fotografar aquela multidão mas não conseguimos, pois o movimento era muito grande e não dava para ficar parado nem três segundos com a lata. Para que a imagem não ficasse tremida, então fomos no outro dia bem cedo para a ponte de ferro. O artista principal no sábado de carnaval o Galo da Madrugada - fizemos algumas imagens com a lata e a reação das pessoas era de surpresa e, ao mesmo tempo de espanto, mas conseguimos fotografar, uma das raras vezes sem ser interrompido por pessoas que passam e não acreditam que nós somos fotógrafos, com latas de leite ao invés de câmeras fotográfica convencionais.
Willam & Odilene
Este foi um presente que ganhei. Neste blog, que falo de amor e de amar, colho frutos soberbos, como esse. Um ato de amor, o presente. Obrigada.

NOS JARDINS DOS SALGUEIROS


Nos jardins de salgueiros meu amor e eu nos encontramos.
Ela atravessou os jardins com os seus pezinhos brancos.
Pediu-me que levasse o amor como crescem as folhas nos ramos
Porém, eu, jovem e tolo, não dei-lhe ouvidos, discordamos.
No campo à margem do rio permanecemos então,
E no meu ombro recurvado ela pousou sua mão.
Pediu-me que levasse a vida como cresce a grama no campo.
Porém, eu era jovem e tolo, e agora banho o rosto com o meu pranto.

Willian Yeats

RETALHOS


Havia dias de esperanças maiores que a realidade.
O sol brincando de esconde-esconde,
parecia me dizer, acredite,
há sempre um término para os amores.
Sim, acreditei que iria me salvar e
amanhã, quando o sol voltasse,
estaria livre da pena de amar.
Ilusão vã. O amor não se vai nunca.
Disfaça seus rastros, nubla a visão e permanece.
Quando veio, a alma distraída, não senti sua presença
Até que se derramou em mim, uma tempestade
de doces sensações, de obscuros desejos que,
no entanto, fizeram do meu corpo, estrela,
e do meu coração, arena.
Hoje, a alma em retalhos, só entre os solitários,
busco em mim, seus restos e só encontro saudades.

Saramar

NÁUFRAGO


Andei pelos meus sonhos para colorir a noite de meus olhos
Acordei buscando o sol naquela noite, onde, encontrei você.
Solitário, soluçava diante das estrelas despidas pelos ventos
Beijei a lembrança. Abracei a sua foto, desvelei o seu rosto,
Espalhados em meus olhos molhados
Pelos fragmentos de felicidade
Empalhadas em meu corpo estirado no vazio
Esqueci você dentro de mim
Sou náufrago do tempo.
Embalado pelas marés
Ondulantes que navegam meu coração.
Passageiro das ondas do mar.
Sobrevivente dos mergulhos
Nas nascentes do amor,
O amor dividido, desajeitado, desejado.
Grito sem esperança de um abandono voraz.
Fico mudo! Permaneço calado, nos afagos silenciosos
Daquele último sorriso regurgitado na memória.
Conversei com a ilusão prometendo não mais sonhar
Esculpi meu desejo traçado nos castelos de areia.
pelos devaneios presos nos liames das lembranças
costuradas nos retalhos do passado.
Hoje meu futuro.
Guardo embaixo do tapete, passagem obrigatória deste
Náufrago, rastejante de lembranças doloridas
Do presente.
Wilton Chaves

SEARAS


Em longos outonos pálidos, quase invernos,
Em noites e madrugadas úmidas de solidão,
Lancei sementes de amor em searas diversas.
Muitas nasceram, frutificando lentamente
Outras começaram e morreram jovens.
Outras que plantei ainda estão inertes,
E espero, na minha solidão, espero.
Saramar

PRESENTE



Ao meu amor, dei todas as palavras,
as mímicas, os sonhos e algumas flores.
Um presente diário de momentos mudos
e olhares quentes.

Ao meu amor, dei de presente todas as
carícias, algumas inventadas novamente.
Outras sonhadas, copiadas de novelas
baratas e ardentes.

Ao meu amor, todas as lágrimas dei,
ao vê-lo dormindo em meu corpo ou
em horas extremas que se revelaram
começos e recomeços.

Ao meu amor, dei meu presente.
Mas, isso foi ontem, foi antes
.
Saramar

CARTA DE AMOR


Meu amor, a música que
embalou nossos sonhos
Acordou hoje em meus

sonhos solitários.
Eu, que jurei esquecer

as notas perdidas em sua boca,
cantarolei com o tom

amargo da saudade.
As palavras de amor da melodia

estão embotadas pela indiferença.
Esqueci-as,
porém, sem esquecê-lo.
Percebo os elos dos versos

de amor que ataram também
nossos sonhos por um tempo

tão rápido e breve como as
fantasias de Schumann.
A música desnorteia meus sentidos

e me perco em seus
ecos, assim como me perdia

em seu corpo,
móbile dos meus desejos.
Saramar

SONETO DO AMOR TOTAL


Amo-te tanto, meu amor...não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinícius de Moraes

DEZ CHAMAMENTOS AO AMIGO


Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei.
E há tanto tempo
Entendo que sou terra.
Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu.
Pastor e nauta
Olha-me de novo.
Com menos altivez.
E mais atento.
Hilda Hilst

DANÇA



O nosso amor é uma dança vermelha
regida pelas paixões enleantes de
um tango argentino
e o fogo, o fogo, o fogo .
Em nosso amor, palavras ferem
e rasgam a pele e a alma para
depois lavar as feridas
com os olhos molhados,
costurar as lacerações
com beijos molhados.
Em nosso amor, delicadezas
lentas atravessam nossos
compassos, tornando leves
nosso pés e o corpo inteiro.
Nosso amor é uma dança
íntima e passional que
ora nos eleva ao céu,
ora nos derrama neste
duro chão que é a vida.
Saramar

AMOR



Cala-te, a luz arde entre os lábios,
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
essa perna é tua?, esse braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente á tua boca,
abre-se a alma à lingua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi facil, nunca,
também a terra morre
.
Eugénio de Andrade

AINDA AMO VOCÊ





Amo, ainda.
Mais, se possível fosse.
Amo as noites escuras de dor e silêncio
Quando sua boca deixou a minha
E tentou outros sabores.
Amo as dores
que minha alma provou
na solidão de não estar.
Amo as pedras que rolaram
sob nosso amor selvagem
e o riso dos pássaros que
se fartaram de nosso mel.
Amo até sua ausência
porque dela assomam
os mínimos carinhos e
as carícias inimagináveis
que seu amor inventava
para agradar o meu.
Saramar

SOLIDÃO


As mãos brancas da solidão
pousam suavemente nos
móveis empoeirados e vazios.

A solidão escorre lenta e dolorida
por corredores frios.
Vem trazendo cheiro de
flores mortas.
Ressoa silenciosa e tange
o cordão tenso que
abala os sons.

Não existisse a solidão,
como seriam as noites
e as madrugadas frias?
Como seriam o silêncio
e a dor?

Se os ecos do meu coração
fossem ouvidos à distância,
a solidão não seria.

Solidão, amiga minha,
constante presença a
exigir constante dedicação.
Anjo da guarda, demônio,
vida.

Saramar

VALSA PARA LEILA

POÉTICA


Uma palavra há de ser poética
desde que você a coloque no lugar
imprevisto, desde que ela dê alarme,
desde que ela quebre o muro da
velha ordem. É preciso sempre
escrever a primeira vez de uma
frase. Se possível botar roupa
rasgada nas idéias. Toda frase
que se faz é preciso gozar nela,
E é preciso fazer o serviço com
paciência para que o gozo dê
frutos.
Manoel de Barros.

VOLTA


Nestas tardes mornas e caladas,
quando o sol entontece as cigarras e as flores,
volta a saudade dos beijos cheios de
calor e do seu olhar falando em minha alma.
Voltam os nossos silêncios e o coração aos pulos
esperando a próxima carícia, a surpresa
do doce sorriso e dos carinhos tontos.
Nestas tardes, sinto a falta do sono nos teus lábios
e do despertar em braços moles de sonhos.
Por favor não se demore mais
que as tardes já são noites
e o frio da lua branca
já dominou o sol.
Saramar

NUVENS


Às vezes, esqueço de sonhar
e só me lembro ao entardecer,
quando o beija-flor vem
comer na vasilha dos cachorros.
Então me lembro de olhar minhas flores
e vejo que a gloxínia floriu.
Branca com bolinhas vermelhas.
Desato, então, a sonhar como nuvem.
Sei que nuvens sonham
senão não seriam bicho, gente, beijo.
Viagens por céus e mares,
Beijos, flores outras e amores.
Imagino largos vôos.
Nem consigo voltar.
Fico lá
nas nuvens.

Saramar

EU TE AMO


Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armários embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica como que cara eu vou sair
Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir
Chico Buarque

ÂNSIAS



Meu corpo transborda.
Meus poros abertos aguardam
um rastro de desejos e delícias.
Quero a carícia inicial, íntima,
em minhas fontes e ramos.
Minhas rosas rubras tremulam
na ânsia de sua boca animal.
Vem, amigo,
trazer o fogo,
apagar o meu fogo
com seus líquidos incendiários.
Misture-os aos meus,
dentro e fora
dos cálices originais.
Saramar

O AUSENTE



Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranquilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem amiga...

Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...

Vinícius de Moraes

LUZ DO SOL


Luz do sol
Que a folha traga e traduz
Em verde novo
Em folha em graça
Em vida em força em luz
Céu azul que vem até
Onde os pés tocam a terra
E a terra inspira e exala seus azuis
Reza, reza o rio
Córrego pra o rio, o rio pro mar
Reza a correnteza, roça a beira doura areia
Marcha o homem sobre o chão
Leva no coração uma ferida acesa
Dono do sim e do não
Diante da visão da infinita beleza
Finda por ferir com a mão essa delicadeza
Coisa mais querida, a glória da vida
.
Caetano Veloso

MASCARADA


Você me conhece?
(Frase dos mascarados de antigamente)
- Você me conhece?
- Não conheço não.
- Ah, como fui bela!
Tive grandes olhos,
que a paixão dos homens
(estranha paixão!)
Fazia maiores...
Fazia infinitos.
Diz: não me conheces?
- Não conheço não.
- Se eu falava, um mundo
Irreal se abria
à tua visão!
Tu não me escutavas:
Perdido ficavas
Na noite sem fundo
Do que eu te dizia...
Era a minha fala
Canto e persuasão...
Pois não me conheces?
- Não conheço não.
- Choraste em meus braços
- Não me lembro não.
- Por mim quantas vezes
O sono perdeste
E ciúmes atrozes
Te despedaçaram!
Por mim quantas vezes
Quase tu mataste,
Quase te mataste,
Quase te mataram!
Agora me fitas
E não me conheces?

- Não conheço não.
Conheço que a vida
É sonho, ilusão.
Conheço que a vida,
A vida é traição.

Manuel Bandeira

PESCAR LEMBRANÇAS







No embornal,
levo minha nostalgia
e um ou dois sonhos de outros tempos.

É nessas tardes caídas
que busco nas águas do açude
um ou dois trechos da fugidia memória.

Nesse cenário azul
das fímbrias da Serra do Mar
cessam todos os ventos.

São horas de passar o fio
e fazer um colar
com as contas da própria história.

Paulo Renato Rodrigues

BUSCA



Venho construindo pontes.
Com pedras e entulhos e
asas de borboletas para sempre imóveis.
Venho construindo pontes.
Um olhar de águia guia meus movimentos
e me leva por estreitos caminhos
invisíveis aos meus olhos cegos.
Venho constuindo pontes.
Piso em águas, escorrego em pedras
buscando fontes, bases, laços de amarrar.
Venho construindo pontes.
Hoje, uma ponte cai, levada pelas dores
Ontem, o tempo já havia tomado outra.
Amanhã, quantas permanecerão
suspensas nas asas das borboletas mortas?
Saramar

AS SEM RAZÕES DO AMOR


Eu te amo, porque te amo,
Não precisas ser amante,
E nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade

NON SENSE


Ando cheia de palavras.
Tardias, equívocas,
mal endereçadas.
Ando cheia de palavras.
Saramar

DORES


Sob minha pele, as dores continuam presas.
São saudades dos amores passados
que embalaram meus sonhos com papel
de presente colorido.
São lembranças que resistem ao cotidiano
e, de repente surgem, buracos negros das
alegrias que ainda possuo.
Os rios de dores correm dentro de mim,
abrem o concreto de minha alma,
entumescendo vales que não mais os contêm.
Saltam pelos poros e
deságuam em meus olhos,
abundantemente.
Saramar