UM ANO... OUTRO


Nasce o dia, outra vida
nasce um ano sobre o outro.
É assim meu coração
jardim teimoso
a nascer todo dia
de única semente plantada
minguada de aridez,
lavada de tempestade.
Nasce o ano, novo
e o dia sobre o outro.
Gemem as horas
de saudade.
Saramar

Imagem: Zoya Mihunova-Anderson

O MENINO


Depois,
eram uns meninos no berço
e o grito de suas mães
era um sangue lavando pedras
e um matinho quase seco
que água não corria ali.

De inundação, só lágrimas
de mulheres,
e isso não conta, de tanto se ver.
Mesmo na hora de invadir a luz
com a vida,
com uns olhos cegos de quem pariu,
ouve-se o choro da mulher
e vai abaulando, crescendo em água
nos caminhos onde anda
dos olhos da vida, sal e mágoa
pelos meninos, todos
e os seus.

Eram uns meninos num pedaço seco
da terra
e o choro da mãe.

Não fora a estrela insistente
sobre o berço seco do menino,
não fora o olho de abraçar o mundo,
do menino,
ofuscando a estrela e sua luz,
ninguém diria que, naquela aridez
da alma de todo infeliz,
nascia o Menino Jesus.
Saramar

Imagem: roubei daqui

CORSÁRIO


Todo amor invade e aflige.
É corsário com mãos de perfume
e cravo crudelíssimo.
Ora flor, ora gemido,
o amor invade os sonhos,
transtorna os dias,
revira a alma,
ri do tempo,
desconhece circunstâncias.
Rei e menino,
o amor brinca na doce aflição
dos sentidos
e marca e fere.
Assim como não se sabe do seu começo,
nunca termina
tatuado a fogo,
para sempre arde e dói
apesar de sua permanência
breve.
Pena de ave sem pouso,
na alma,
para sempre pesa.
Saramar