MENTIRAS


Por onde vou dispersa em meu logro?
Não há linha, nem fogo a limitar os
rasgos de falsos amores que cultivo
ou a solidão a que me entrego,
mulher sozinha e sem abrigo.
Bebo, bebo nestes cálices inusitados
e o sabor da fome em meus lábios,
o calor das mãos que me roçam
e me desfazem em ventos loucos
nada mais são que mentiras quando,
desenfreada, acordo a noite
para que ouça meus lamentos.
Saramar

À ESPERA


Havia um piano e a música
sozinha e vertical escorria
em fragmentos fugindo do
barulho da rua.

Havia um brevíssimo espanto
na noite. A espera, a urgência
de amante e a surpresa da
chegada, há tanto, ânsia.

Havia o vinho em belo talhe
de cristal e os pêssegos
de doçura proposital
para aquele que, faminto, viria.

Viajante a sorver esses cuidados
com lábios e bocas e braços,
quase animal, de suspiros,
de precisos olhos de animal.

Havia a mesa posta onde
os pratos esperavam o calor
do alimento partilhado entre
beijos e garfos.

Havia o quarto onde o silêncio
aguardava as chamas que viriam
finalmente desfazê-lo em
risos, murmúrios e ais.

Havia um mundo recém-nascido
de ofertas e vontades.
Um mundo sem asperezas,
só segredos, imprudências e
circunstâncias, botões e rosa.

Havia amor, indisfarçável.

Ninguém nunca veio habitá-lo.
Só este silêncio e os desejos
soltos, perdidos neste canto
de solidões.
Saramar

Imagem: Ana Maria Russo

VERTIGEM



Suas carícias,
Lâminas
lanham a pele.
Rasgo a tarde
em gemidos.
Púcaro,
você me invade.
Saramar
Imagem: Mary Ann Mercer

PAUSA PARA O ANIVERSÁRIO


Nesta semana, estou em festa!
Um ano, amigos, um ano tentando escrever poemas.
Raras vezes consegui, é verdade.
Tantas vezes, olhando para essa tela, lendo o que havia escrito, pensei em desistir. Mas, escrever é vício, mesmo para quem é aprendiz e mau aprendiz.

Por isso, continuei.

Neste ano inteiro do blog, que começou despretensiosamente, aprendi a não desistir, aprendi a pôr meus sentimentos e sonhos em palavras, pobres palavras, mas verdadeiras e importantes para mim.

Neste ano do blog, o melhor de tudo foram as pessoas maravilhosas que conheci e que se tornaram meus amigos, meus incentivadores (ai, ai), apesar da poesia meio torta e sem ritmo, sem rima, sem musicalidade.

Agradeço a todos que me lêem e mais ainda aos que comentam, encontrando beleza onde há apenas uma canhestra tentativa de escrever.
Sem vocês, o bloguinho não estaria fazendo aniversário e eu não estaria com a alma em festa.
Beijos e muito obrigada.

Imagem: Jules-Alexandre Grun

SERÁ AMOR?


É amor?
Essa febre, esse fogo,
esse gelo nas veias?
Garganta fechada de soluços,
a alma despida em esperas,
e o corpo que por outro anseia?
O que tem o amor
com esses olhos perdidos, noturnos?
E com mesas postas de feras
perdidas em mistérios de dentes,
de garras, de pétalas em seios?
Será amor?
Ou o cruel tridente
da paixão a abrir em meu mundo
fontes de mel em uma única flor?

Saramar

ENQUANTO HOUVER SOL


O sol acorda a manhã
e seca todas as poças
o sol acorda a mulher
e apaga todas as lágrimas.

Meio dia
fome inteira
de você
sol a pino
visões
entre a multidão
de sozinhos.

Sol
a vida em tom maior
calor nos olhos
calidez e esperança
tarde se desmanchando
mas ainda não é tarde.

Cores se desfazem
em nuvens quentes
sol e lua
lua e sol.

Enfim, silêncio
e estrelas engolindo
o dia.

A tarde se foi
levando as cores.
Agora é tarde.
Saramar

Imagem: Arnie Rosner

CHUVA


Chove e há um ar de dança nas folhas.
Passarinhos desenham malabarismos
nas poças, nos riachinhos largífluos e
em ramos alegres, quase marítimos.
Chove, chove longamente e as ruas
brilham, líquidas, rios efêmeros.
A chuva carrega os passantes e cria
ilusões de sombras e luzes e névoas
que também dançam em calçadas nuas.
Lá fora, a chuva é festa na tarde fria.
Aqui dentro, é tempestade de mágoas.
Saramar


Imagem: Denis Lolet

TALVEZ....


Perturba meu coração
um aroma de flores.
Será sonho ou essa saudade
a desarrumar meus sentidos
para iludir minha solidão?

Será ele que finalmente
chega envolto em ternuras?

Será ele, o longínquo amante
que, em leito de odalisca indiferente
esqueceu-se dos meus braços,
antes mornos de paixão,
que agora gelam à sua espera,
vazios e inúteis?
Saramar

Imagem: S. G. Rose

ESPERA


Meu amor,
Eu te esperei desde a madrugada
Não vieste com as estrelas
apenas o sol viu minhas lágrimas.
Eu te esperei
plantei margaridas e sonhos
sob as mangueiras
e não vieste.
despetalei, fiquei nua
limpei os vãos,
molhei as flores,
enfeitei os espelhos
com meu vestido amarelo
perfumei os seios
e não vieste.
Agora, neste ermo
do mundo inteiro
neste quintal
entre os pirilipampos
em torno de suas luzes
Canto a música dos sós
em murmúrios.
quem sabe ouves
e vens?
Saramar

Imagem: Roel Hofman

FOGO


À beira do fogão,
fogo a me consumir
versos talvez caiam
nestas chamas e
se arranjem em fogo vivo
dançando ao se abrir
qual ostras
e se diluam
em delícias
de outras bocas.
Saramar

QUEM É VOCÊ?


Quem é você que me toma em bastidores
E faz dos meus sonhos palco iluminado?
Quem é você que me faz bailarina
Em seus braços, surdo aos meus temores?

Quem é você feiticeiro encantado
Que se desmancha em serpentina
A me envolver colorido, em festa
Dos sentidos, em doces langores?

De onde veio e por que fica em mim,
Deus vermelho, paixão, nó de desatino?
Se inclemente, cerrará de vez a cortina

E, dançarina sem prumo, exausta e calma
Descansarei minhas pernas tristes
Sob refletores cegos como minha alma?

Saramar

Imagem: Degas

GUERRA


Os homens travam suas guerras
E arrastam sorrisos congelados
Desde o lúgubre tempo da bomba
Ou da bala, até o vácuo de terra
Que acolhe suas crianças mortas,
Último berço,
Definitivo colo, de sombra.

Os homens escrevem manuais,
E levam suas palavras assassinas
A outros homens, sábios sádicos
Que ensinam em suas páginas vermelhas,
Mil mortes.

Para as dores, nenhum vocábulo,
Nem parênteses.

Os homens matam os homens
E destroçam as crianças,
Abrindo gritos de loucas
Em bocas, antes maternas
Agora roucas pela poeira
Deixada por bombas, balas,
Baques emudecedores
De qualquer humanidade

Os homens e suas guerras
Parem dores em parto
De morte e ecos de dor.
Parem, parem a guerra.
Parem.
Paz!
Saramar

CONVITE


Vem e, amante,
perfuma meu corpo
com teu hálito de mar
vem e me embriaga
com o som do teu beijo
sou cereja, e para ti,
serei pétala
e suavidades
vem e me cobre
com a luz do teu desejo.
Saramar

Imagem: Ryuijie

HOJE


Sob as estrelas, seu rosto
é um mar de promessas
aberto às ânsias do meu coração.
Antes desses sonhos
que despertou em mim,
a aridez dos insensíveis
plantara espinhos e dores,
frio e escuridão.
Hoje, ondas de amor
envolvem meu ser e
levito em seus braços,
pássaro feliz e colorido.
Saramar

Imagem: Carol Crigg

VÔO


asas frágeis
vôo malogrado.
ainda assim,
desfilo meu amor
em passo de dança,
alado.
Saramar

Imagem: Degas